Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Buber (Eu-Tu:7-9) – conjuminar o pensar calculativo e o meditativo

quinta-feira 10 de setembro de 2020

Eu considero uma árvore.

Posso apreendê-la como uma imagem. Coluna rígida sob o impacto da luz, ou o verdor resplandecente repleto de suavidade pelo azul prateado que lhe serve de fundo.

Posso senti-la como movimento: filamento fluente de vasos unidos a um núcleo palpitante, sucção de raízes, respiração das folhas, permuta incessante de terra e ar, e mesmo o próprio desenvolvimento obscuro.

Eu posso classificá-la numa espécie e observá-la como exemplar de um tipo de estrutura e de vida.

Eu posso dominar tão radicalmente sua presença e sua forma que não reconheço mais nela senão a expressão de uma lei — de leis segundo as quais um contínuo conflito de forças é sempre solucionado ou de leis que regem a composição e a decomposição das substâncias.

Eu posso volatilizá-la e eternizá-la, tornando-a um número, uma mera relação numérica.

A árvore permanece, em todas estas perspectivas, o meu objeto tem seu espaço e seu tempo, mantém sua natureza e sua composição.

Entretanto pode acontecer que simultaneamente, por vontade própria e por uma graça, ao observar a árvore, eu seja levado a entrar em relação com ela; ela já não é mais um Isso. A força de sua exclusividade apoderou-se de mim.

Não devo renunciar a nenhum dos modos de minha consideração. De nada devo abstrair-me para vê-la, não há nenhum conhecimento do qual devo me esquecer. Ao contrário, imagem e movimento, espécie e exemplar, lei e número estão indissoluvelmente unidos nessa relação.

Tudo o que pertence à árvore, sua forma, seu mecanismo, sua cor e suas substâncias químicas, sua "conversação" com os elementos do mundo e com as estrelas, tudo está incluído numa totalidade.

A árvore não é uma impressão, um jogo de minha representação ou um valor emotivo. Ela se apresenta "em pessoa" [1] diante de mim e tem algo a ver comigo e, eu, se bem que de modo diferente, tenho algo a ver com ela.

Que ninguém tente debilitar o sentido da relação: relação é reciprocidade.

Teria então a árvore uma consciência semelhante à nossa? Não posso experienciar isso. Mas quereis novamente decompor o indecomponível só porque a experiência parece ter sido bem sucedida convosco? Não é a alma da árvore ou sua dríade que se apresenta a mim, é ela mesma.

[BUBER, Martin. Eu e Tu. Tr. Newton   Aquiles von Zuben. São Paulo : Centauro, 2001, p. 7-9]


Ver online : EU E TU


[1ER LEIBT MIR GEGENUEBER. "Leib" significa corpo; o verbo leiben poderia ser traduzido por incorporar. No texto Buber distingue Leib e Koerper. Leib é o corpo humano na sua manifestação concreta existencial como corpo vivido. Poderíamos associar esta distinção àquela que fez Scheler entre corpo percebido que ele chama Koerper e corpo experienciado que ele chama Leib. Esta mesma distinção é operada por Biswanger. Gegenueber é um termo abundantemente utilizado por Buber. Gegenueber parece ter sido forjado para traduzir o "vis-àvis" francês. Às vezes Buber emprega como substantivo. Neste caso, optamos pelo termo parceiro. Em outras passagens traduzimos por face-a-face e confronto. Na presente frase optamos por uma tradução que se aproxima a nosso ver do sentido que Buber quis exprimir. Em pessoa é uma expressão talvez imprópria em se tratando de uma árvore. Mas querer significar que não se trata apenas de uma massa inerte e compacta que se posta simplesmente diante do homem, mas é a árvore que pode integrar o evento de relação e portanto ser um Tu para o homem num momento de verdadeira presença.