Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Schutz (2014) – como experimentamos a realidade?

terça-feira 30 de janeiro de 2024

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[…] A tese será a seguinte: o romance de Cervantes pode ser lido com as armas analíticas de William James, no sentido em que as várias aventuras de Dom Quixote são variações cuidadosamente elaboradas sobre um tema fundamental: como é que experimentamos a realidade? Há vários aspectos dialeticamente entrelaçados neste problema. Trataremos do mundo da loucura de D. Quixote, o mundo da cavalaria, um subuniverso da realidade que é completamente incompatível com a realidade da vida comum, aceite como evidente, sem contestação, pelo barbeiro, pelo padre, pela governanta e pela sobrinha. Como é possível que D. Quixote insista em manter real o seu subuniverso imaginário, quando se depara constantemente com esta realidade quotidiana que foi despojada de castelos, exércitos e outros gigantes em favor de estalagens, rebanhos de ovelhas e moinhos de vento? Por que milagre não é o mundo de Dom Quixote puramente solipsista, na medida em que encontramos outros espíritos, não apenas como objetos da sua prova do mundo, mas como atores, ainda que de forma limitada, da crença na sua realidade? Finalmente, nem o sub-universo da loucura de Dom Quixote nem a realidade fundamental dos sentidos - para usar os termos de William James - em que nós, Sancho Pança, vivemos a nossa vida quotidiana, são tão monolíticos como parecem. Ambas incorporam enclaves de experiência que vão para além dos sub-universos que tomam por garantidos, e que remetem para outros domínios da realidade incompatíveis com cada uma delas. Há ruídos noturnos enigmáticos e assustadores, morte e sonhos, visão e morte, profecia e ciência. Como é que Dom Quixote, e nós, Sancho Pança, conseguimos manter a nossa crença na realidade de um sub-universo fechado, apesar da irrupção maciça de experiências que ultrapassam esse quadro?

Thierry Blin

[…] La thèse sera la suivante : le roman de Cervantès peut être lu avec les armes analytiques de William James, au sens où les différentes péripéties des aventures de Don Quichotte sont des variations soigneusement élaborées d’un thème fondamental : comment expérimentons-nous la réalité ? Problème qui n’est pas sans présenter plusieurs aspects dialectiquement intriqués. Nous aurons ainsi affaire au monde de la folie de Don Quichotte, le monde de la chevalerie, sous-univers de réalité parfaitement incompatible avec la réalité de la vie ordinaire, acceptée comme allant de soi, sans que cela fasse question, par le barbier, le prêtre, la gouvernante et la nièce. Comment se fait-il que Don Quichotte s’acharne à tenir pour réel son sous-univers imaginaire, alors qu’il se heurte sans cesse à cette réalité quotidienne expurgée des châteaux, armées, et autres géants, au profit des auberges, des troupeaux de moutons et des moulins à vent ? Par quel miracle le monde de Don Quichotte n’est-il pas purement solipsiste, au point qu’on y rencontre d’autres esprits, pas simplement en tant qu’objets de son épreuve du monde, mais en tant qu’acteurs, ne fusse que de façon limitée, de la croyance à sa réalité ? Enfin, le sous-univers de folie de Don Quichotte, pas plus que la réalité fondamentale des sens – pour reprendre les termes de William James, dans laquelle les Sancho Pança que nous sommes vivons nos vies quotidiennes, ne se révèlent aussi monolithiques qu’il y paraît. Ils intègrent tous deux des enclaves d’expérience qui excèdent les sous-univers qu’ils tiennent pour allant de soi, et qui renvoient à d’autres domaines de réalité incompatibles avec chacun d’entre eux. Il y a des bruits nocturnes énigmatiques et effrayants, la mort et le rêve, la vision et la mort, la prophétie et la science. Comment Don Quichotte réussit-il, comment réussissons-nous, Sancho Pança, à entretenir notre croyance dans la réalité d’un sous-univers clos, et ce en dépit de l’irruption massive d’expériences qui débordent ce cadre ?

[SCHUTZ  , A. Don Quichotte et le problème de la réalité. Thierry Blin. Paris: Éd. Allia, 2014]


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