Foi Levinas quem primeiro chamou a atenção para o que ele considera ser a principal inovação de Sein und Zeit , o fato de que o ser recebe um significado verbal e transitivo, o de uma maneira de ser ou um modo de ser: "Penso", escreve ele, "que a nova ’emoção’ filosófica trazida pela filosofia de Heidegger consiste em distinguir entre ser e ente, e em transportar para o ser a relação, o movimento, a eficácia que até então residia no existente. O existencialismo [com o qual Levinas quer dizer todo o pensamento de Heidegger sem reduzi-lo a uma antropologia] é sentir e pensar a existência — ser-verbo — como um evento […] Em suma, na filosofia existencial, não há mais cópulas. As cópulas traduzem o próprio evento do ser" [1]. É porque o ser designa o próprio evento do ser e não isto que é, que o ser não se encontra de forma alguma no meio do ente, como um ente entre outros: o ser não é; apenas "é" o ente. É nessa disparidade que reside o que Heidegger chama de "diferença ontológica". Ora, trazer isso à luz pressupõe que não tomemos mais o λόγος como nosso fio condutor — λόγος interpretado como "dizer algo sobre algo" (λέγειν τι κατά τινος), de acordo com uma estrutura predicativa na qual o ser desempenha o papel de cópula — para responder à questão do significado do ser em geral. O único ponto de partida possível é um ente, reconhecidamente insignificante, para o qual o ser se declina de forma singular, uma vez que, em seu ser, esse mesmo ser está em jogo. Em outras palavras, temos de partir do único ente a cujo ser pertence essencialmente uma compreensão do ser, do ente ontologicamente ontológico. Este ente, o Dasein, é o que nós mesmos somos.
A característica distintiva deste ente é que não é isto ou aquilo, no sentido de que poderíamos lhe atribuir esta ou aquela propriedade; não tem uma "essência" no sentido tradicional, pois, ao contrário, em virtude de sua constituição ontológica, lhe cabe, a cada vez, determinar-se onticamente em existindo seus possíveis, quer dizer, em possibilitando-os. Ao existir, tem de decidir quem é: sua indeterminação ôntica é uma determinação ontológica. Em outras palavras, seus possíveis não podem ser encerrados e delimitados em uma definição de essência, uma vez que ela é seus possíveis e só os determina ao existir. Ele é ("essencialmente") apenas o evento de existir seus possíveis ou, como Heidegger escreve, "a "essência" (das "Wesen") do Dasein reside em sua existência" [2]. E se um tal ente não tem essência, no sentido da essentia medieval, uma vez que tal "essência" é contraditória com sua constituição ontológica, sua "existência" também não deve ser entendida aqui no sentido da existentia escolástica. O Dasein não se encontra aí, tampouco, como o ente simplesmente subsistente (vorhanden), ele é (transitivamente) o seu Aí no sentido de que ele existe. Ele não é apenas "aí", ao lado de outros entes, ele é o Aí fundamental da manifestação do ser a partir do qual os próprios entes se tornam manifestos e encontráveis como tais. É por isso que Heidegger propôs a expressão "être-le-Là" para traduzir Da-sein para o francês. Mas o que é importante acima de tudo, para entender essa expressão, é estar atento ao significado verbal de Da-sein, em oposição a Daseiendes. É porque existe transitivamente seu ser, porque o ser não é para ele uma propriedade ou uma característica de sua essência, que o Dasein é aí. Para ele, o ser só pode ter o significado transitivo de existir. Essa forma verbal, como Levinas corretamente aponta, "expressa o fato de que cada elemento da essência do homem é um modo de existir, de se encontrar aí" [3].