Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Molder (1995:356-357) – diferença entre a observação e a percepção

terça-feira 6 de junho de 2023

«A diferença entre a observação e a percepção faz lembrar a diferença existente entre o pescador, a linha e o peixe; o pescador observa a linha, enquanto que o peixe descobre-a. Também é certo que podemos, como eu o tento aqui, transformar as nossas percepções em observações, através da reflexão a posteriori. Nesse caso, se também conseguirmos metamorfosear a observação, vemos a uma distância contemplativa, tanto o pescador como o peixe [1].» O pensamento morfológico de Goethe   pode ser tomado como a exemplificação viva da reunião dos três tipos de actividade, assinalados por Jünger   neste texto em forma de parábola: percepção, observação, contemplação. O pescador observa a linha, enquanto o peixe a descobre. A percepção é sempre uma forma de descoberta, para a qual simultaneamente nunca se está preparado e se estava preparado desde sempre: é-se apanhado pela linha e, no limite, nenhuma precaução nos defenderá, a não ser que abdiquemos de perceber o mundo. Na percepção, [356] enquanto acto imediato de acolhimento do mundo, que é um «ser tomado» pelo mundo, está em gênese a passagem para o segundo momento, sua destinação e complemento; quer dizer, o desenvolvimento da estrutura patética da percepção envolve um movimento de correspondência entre ser apanhado e apanhar. Nesse movimento, a relação imediata com o mundo sofre uma suspensão, forma de orientação e direcção das energias perceptivas, que, restringindo o acaso e a surpresa, os devolve como proferimento calculado, antecipação. Se, enquanto procedimento metódico e controlado da percepção, a observação é uma sua forma de metamorfose, ela tem de se regenerar permanentemente — para não se converter num processo corrosivo da relação com aquilo que há, dando-lhe morte, inutilizando a percepção — nas águas lustrais da primeira disponibilidade. Finalmente, o acto contemplativo é uma forma intensificada de observação, em que se reúne a relação imediata e o controlo mediato; aquele que contempla não é propriamente apanhado por aquilo que contempla na sua imediatez nua, aquilo que é contemplado suscita um progresso ininterrupto da alma, uma demora, elevando à tematização de um comum: limite da percepção e origem do aparecer. Sem risco de reducionismo, cremos ser possível considerar que o movimento da percepção corresponde à imediatez da Erscheinung; por sua vez, ao da observação compete a selecção da manifestação em Phänomene elementares; do momento da contemplação, finalmente, é próprio a apreensão do Urphänomen.


Ver online : J. W. GOETHE


[1Ernst Jünger, Drogas, Embriaguez e outros temas (Annäherungen, Drogen und Rausch, 1970), trad. portuguesa de Margarida Homem de Sousa, revista por Rafael Gomes Filipe e Roberto de Moraes, Arcádia, Lisboa, 1977, p. 82.