Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Lévinas (1990/2004:149-151) – O “eu” como identificação e acorrentamento a si

sexta-feira 16 de fevereiro de 2024

Paul Albert Simon

No entanto, a interpretação idealista da identidade do “eu” utiliza a ideia lógica da identidade, desligada do evento ontológico da [104] identificação de um existente. A identidade, com efeito, é o apanágio não do verbo ser, mas do que é; de um nome que se destacou do murmúrio anônimo do há. A identificação é exatamente a própria posição de um ente no seio do ser anônimo e invasor. Não se pode, portanto, definir o sujeito pela identidade, já que a identidade encerra o evento da identificação do sujeito.

Esse evento não se produz no ar; mostramos que ele é a obra da posição e a própria função do presente que, no tempo — a partir do qual ele é habitualmente abordado —, é a negação ou a ignorância do tempo, pura referência a si, hipóstase. Como referência a si num presente, o sujeito idêntico é certamente livre com relação ao passado e ao futuro, mas permanece tributário de si mesmo. A liberdade do presente não é leve como a graça, mas um peso e uma responsabilidade. Ela se articula num acorrentamento positivo a si mesmo: o eu é irremissivelmente si mesmo.

Considerar a relação entre eu e si como constituindo a fatalidade da hipóstase não é fazer drama de uma tautologia. Ser eu comporta um acorrentamento a si mesmo, uma impossiblidade de desfazer-se desse si mesmo. É bem verdade que o sujeito recua em relação a si mesmo, mas esse movimento de recuo não é a libertação. É como se se tivesse dado corda a um prisioneiro sem desatar suas mãos.

O acorrentamento a si mesmo é a impossibilidade de se desfazer de si mesmo. Não somente acorrentamento a um caráter, a instintos, mas uma associação silenciosa consigo mesmo na qual uma dualidade é perceptível. Ser eu não é somente ser para si mesmo, é também ser consigo mesmo. Quando Orestes diz: “… E de mim mesmo livrar-me todos os dias”, ou quando Andrômaca se queixa: “Cativa, sempre triste, importuna a mim mesma”, a relação que revelam essas palavras ultrapassa a noção de metáfora. Elas não exprimem a oposição na alma de duas faculdades — vontade e paixão, razão e sentimento cada uma dessas faculdades encerra o eu inteiro. Todo Racine encontra-se aí. O personagem corneliano já é senhor de si mesmo, assim como do universo. Ele é herói. Sua dualidade é superada pelo mito ao qual ele se conforma: honra ou [105] virtude. O conflito está fora dele, ele participa dele pela escolha que fará. Em Racine, o véu do mito se rasga. O herói é ultrapassado por si mesmo. Nisso reside seu trágico: o sujeito é a partir de si mesmo, e já com ou contra si mesmo. Ao mesmo tempo em que é liberdade e começo, é portador de um destino que domina essa própria liberdade. Nada é gratuito. A solidão do sujeito é mais do que um isolamento de um ser, a unidade de um objeto. É, se se pode dizer, uma solidão a dois; este outro que não é o eu corre como uma sombra acompanhando o eu. Dualidade do tédio, distinta da socialidade que conhecemos no mundo e para a qual o eu faz fugir seu tédio; distinta também da relação com outrem que desliga o eu de seu si. Dualidade que desperta a nostalgia da evasão, mas que nenhum céu desconhecido, nenhuma terra nova conseguem satisfazer, pois em nossas viagens levamo-nos conosco.

original

Mais l’interprétation idéaliste de l’identité du « je » utilise l’idée logique de l’identité, détachée de l’événement ontologique de l’identification d’un existant. L’identité, en effet, est le propre non point du verbe être, mais de ce qui est ; d’un nom qui s’est détaché du bruissement anonyme de Vil y a. L’identification est précisément la position même d’un étant au sein de l’être anonyme et envahissant. On ne peut donc pas définir le sujet par l’identité, [149] puisque l’identité recèle l’événement de l’identification du sujet.

Cet événement ne se produit pas en l’air ; nous avons montré qu’il est l’œuvre de la position et la fonction même du présent qui dans le temps — à partir duquel on l’aborde habituellement, — est la négation ou l’ignorance du temps, pure référence à soi, hypostase. En tant que référence à soi dans un présent, le sujet identique est certes libre à l’égard du passé et de l’avenir, mais reste tributaire de lui-même. La liberté du présent n’est pas légère comme la grâce, mais une pesanteur et une responsabilité. Elle s’articule dans un enchaînement positif à soi : le moi est irrémissiblement soi.

Considérer la relation entre moi et soi comme constituant la fatalité de l’hypostase. ce n’est pas faire un drame d’une tautologie. Être moi comporte un enchaînement à soi, une impossibilité de s’en défaire. Le sujet recule certes par rapport à soi, mais ce mouvement de recul n’est pas la libération. C’est comme si on avait donné de la corde à un prisonnier sans le détacher.

L’enchaînement à soi, c’est l’impossibilité de se défaire de soi-même. Non seulement enchaînement à un caractère, à des instincts, mais une association silencieuse avec soi-même où une dualité est perceptible. Être moi, ce n’est pas seulement être pour soi, c’est aussi être avec soi. Quand Oreste dit : «… Et de moi-même me sauver tous les jours », [150] ou quand Andromaque se plaint : « Captive, toujours triste, importune à moi-même », le rapport avec soi que disent ces paroles, dépasse la signification de métaphores. Elles n’expriment pas l’opposition dans lame de deux facultés : volonté et passion, raison et sentiment. Chacune dé ces facultés enferme le moi tout entier. Tout Racine est là. Le personnage cornélien est déjà maître de lui-même comme de l’univers. Il est héros. Sa dualité est surmontée par le mythe auquel il se conforme : honneur ou vertu. Le conflit est en dehors de lui, il y participe par le choix qu’il fera. Chez Racine, le voile du mythe se déchire. Le héros est débordé par lui-même. C’est là son tragique : le sujet est à partir de soi et déjà avec ou contre soi. Tout en étant liberté et commencement, il est porteur d’un destin qui domine déjà cette liberté même. Rien n’est gratuit. La solitude du sujet est plus qu’un isolement d’un être, l’unité d’un objet. C’est, si l’on peut dire, une solitude à deux ; cet autre que moi court comme une ombre accompagnant le moi. Dualité de. l’ennui distincte de la socialité que nous connaissons dans le monde et vers laquelle le moi fuit son ennui ; distincte aussi du rapport avec autrui qui détache le moi de son soi. Dualité qui éveille la nostalgie de l’évasion, mais qu’aucun ciel inconnu, aucune terre nouvelle n’arrivent à satisfaire, car dans nos voyages nous nous emportons.

[LÉVINAS, Emmanuel. De l’existence à l’existant. 2e éd. augm ed. Paris: J. Vrin, 1990]

[LÉVINAS, Emmanuel. Da Existência ao Existente. Tr. Paul Albert Simon. Campinas: Papirus, 1998]


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