A interpretação, a compreensão e o caráter daquilo que se encontra contraposto se co-pertencem. E somente o elemento próprio às coisas contrapostas que precisa ser interpretado; é só por meio da interpretação que ele se descerra como aquilo que ele é porque somente o conhecimento apresentador preserva a exterioridade de sua coisa. Ele conta com ela e a expõe; nisto reside a sua distinção em relação à abordagem ligada ao objeto. E se uma apresentação é compreendida, a diferença entre apresentação e coisa também se torna presente juntamente com a coisa que ela faz valer. Assim, a compreensão de algo sempre se mostra ao mesmo tempo como uma compreensão da maneira como esta coisa é dada. Nós não compreendemos apenas algo, mas sempre compreendemos também a relação entre a interpretação, ou seja, a apresentação e a coisa contraposta. Aquilo que compreendemos desta maneira é a composição estrutural da apresentação.
A discussão filosófica da composição estrutural da apresentação não precisa esclarecer a apresentação e a compreensão como algo completamente marcado em si por aquilo que ele propriamente é. Não é necessário nem mesmo aquela virada, aquela περιαγωγη, da qual se fala na República [1]. Na compreensão, não tomamos nenhum fenômeno pela coisa mesma, de modo que se necessitaria de um estar voltado diretamente para aquilo que aparece, para aquelas coisas que são projetadas na parede da caverna, a fim de que o status daquilo que é conhecido seja experimentado. Aquilo que os habitantes da caverna precisam aprender em primeiro lugar já foi sempre conhecido na compreensão. Da mesma, forma, pertence ao interpretar a consciência de que se está interpretando. De outro modo, a interpretação não poderia se articular com nenhuma outra interpretação: ela não se encaixaria no jogo das interpretações que estão empenhadas juntas, apesar de cada um por si, pela sua coisa contraposta. Sem a consciência de que estamos interpretando, nós não interpretamos, mas apenas articulamos convicções dogmáticas em relação a um texto. Compreender e interpretar são refletidos em si. Por isto, a reflexão filosófica pode se iniciar em seu ponto central. No entanto, se a filosofia não surge, mas eclode, a reflexão sobre a composição estrutural da apresentação não se torna paulatinamente uma reflexão filosófica. Necessita-se de um determinado grau de intensidade, para que a simples reflexão hermenêutica se converta em [151] uma reflexão filosófica, que transponha o elemento hermenêutico para o interior de uma nova cognoscibilidade. A questão é saber quando isto acontece.
Todo intérprete cuidadoso é capaz de prestar contas sobre a sua atividade — muitas das reflexões que foram estabelecidas aqui em relação à interpretação, à exegese e à indicação de sentido, em relação ao caráter próprio às coisas que se encontram contrapostas, poderiam ser reflexões de uma ciência que procede hermeneuticamente. Aquilo que estava em jogo junto às determinações filosóficas foi obtido a partir da colocação da questão subordinada acerca de uma filosofia hermenêutica; ele tinha algo em comum com o fato de a explicitação da interpretação se encontrar em uma conexão. Na medida em que esta conexão já era a conexão da filosofia, o tornar-se filosófico da reflexão não se torna compreensível por meio dela.
Considerada a partir de uma ciência hermenêutica, a filosofia entra em jogo logo que o âmbito da ciência perde a sua obviedade. Isto pode acontecer por meio de questões provocadoras: como se comportam a exegese e a indicação de sentido da literatura, por exemplo, em relação às outras formas do conhecimento? O que isto tem em comum com a vida humana e como ele pertence à conexão desta vida, na qual ele se mostra como uma possibilidade vital entre outras?
Estas questões também podem ser formuladas pela própria filosofia, a saber, quando a filosofia é compreendida hermeneuticamente. Neste caso, ela é interpretação, apresentação e compreensão, mas não uma interpretação e uma compreensão do tipo de uma arte ou de uma ciência hermenêutica, que está fixada em um determinado âmbito de coisas e de objetos oposicionais. Ela também não oscila simplesmente entre âmbitos materiais e âmbitos de coisas que se encontram contrapostas; a filosofia não é nenhuma sondagem difusa disto ou daquilo, ela não é marcada por nenhuma onisciência acumulada no sentido da sofistica definida e, em certo sentido, também caricaturada por Platão. Se a filosofia não está submetida a nenhuma limitação substancial, ela lida com a totalidade da vida e com a sua conexão. É de se perguntar, então, porém, como a sua apresentação e a sua compreensão podem se ligar ao todo da vida e à sua conexão, como elas pertencem a esse todo em sua referencialidade.
Para que possamos responder a esta questão, nós não podemos mais nos manter junto à própria composição estrutural da apresentação, mas também não podemos abandoná-la. De outro modo, a reflexão filosófica não seria mais nenhuma intensificação da reflexão hermenêutica; ela não teria mais nada em comum com as questões, nas quais esta intensificação tinha sido estabelecida; e, então, a intelecção do caráter hermenêutico da filosofia também seria perdido uma vez mais.
Portanto, não nos resta outra coisa senão a possibilidade de abrir a composição estrutural da apresentação, isto é, a possibilidade de torná-la transparente para o contexto ao qual ela pertence, a fim de considerá-la e expressá-la a partir deste contexto. Neste caso, não nos concentramos mais na própria composição estrutural da apresentação e não nos mantemos mais junto aos seus momentos, mas fazemos com que estes momentos se vinculem ao seu contexto e ao mesmo tempo provenham deste contexto. Nós observamos como eles se mostram; tudo depende apenas desse mostrar-se, do modo como se dá a sua vinculação e o seu despontar.
[152] Com isto, os momentos da composição estrutural da apresentação transformaram-se em fenômenos. Vista de maneira superficial, a palavra não diz nada novo; φαινόμενον é aquilo que se mostra, e, nesta medida, a palavra seria prescindível. No entanto, por outro lado, ela coloca a discussão da composição estrutural da apresentação em um contexto que permite determinar o seu valor conjuntural filosófico: a consideração filosófica da composição estrutural da apresentação é fenomenologia.