Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Deleuze (2010:124) – Hegel e Heidegger, historicistas

sábado 26 de outubro de 2024

Hegel   e Heidegger permanecem historicistas, na medida em que tomam a história como uma forma de interioridade, na qual o conceito desenvolve ou desvela necessariamente seu destino. A necessidade repousa sobre a abstração do elemento histórico tornado circular. Compreende-se mal então a imprevisível criação dos conceitos. A filosofia é uma geo-filosofia, exatamente como a história é uma geo-história, do ponto de vista de Braudel. Por que a filosofia na Grécia em tal momento? Ocorre o mesmo que para o capitalismo, segundo Braudel: por que o capitalismo em tais lugares e em tais momentos, por que não na China em tal outro momento, já que tantos componentes já estavam presentes lá? A geografia não se contenta em fornecer uma matéria e lugares variáveis para a forma histórica. Ela não é somente física e humana, mas mental, como a paisagem. Ela arranca a história do culto da necessidade, para fazer valer a irredutibilidade da contingência. Ela a arranca do culto das origens, para afirmar a potência de um “meio” (o que a filosofia encontra entre os gregos, dizia Nietzsche  , não é uma origem, mas um meio, um ambiente, uma atmosfera ambiente: o filósofo deixa de ser um cometa…). Ela a arranca das estruturas, para traçar as linhas de fuga que passam pelo mundo grego, através do Mediterrâneo. Enfim, ela arranca a história de si mesma, para descobrir os devires, que não são a história, mesmo quando nela recaem: a história da filosofia, na Grécia, não deve esconder que os gregos sempre tiveram primeiro que se tornar filósofos, do mesmo modo que os filósofos tiveram que se tornar gregos. O “devir” não é história; hoje ainda a história designa somente o conjunto das condições, por mais recentes que sejam, das quais nos desviamos para um devir, isto é, para criarmos algo de novo. Os gregos o fizeram, mas não há desvio que valha de uma vez por todas. Não se pode reduzir a filosofia a sua própria história, porque a filosofia não cessa de se arrancar dessa história para criar novos conceitos, que recaem na história, mas não provêm dela. Como algo viria da história? Sem a história, o devir permaneceria indeterminado, incondicionado, mas o devir não é histórico. Os tipos psicossociais são da história, mas os personagens conceituais são do devir. O próprio acontecimento tem necessidade do devir como de um elemento não-histórico. O elemento não-histórico, diz Nietzsche  , “assemelha-se a uma atmosfera ambiente sem a qual a vida não pode engendrar-se, vida que desaparece de novo quando essa atmosfera se aniquila”. É como um momento de graça, e “onde há atos que o homem foi capaz de realizar sem se ter antes envolvido por esta nuvem não-histórica?” [1]. Se a filosofia aparece na Grécia, é em função de uma contingência mais do que de uma necessidade, de um ambiente ou de um meio mais do que de uma origem, de um devir mais do que de uma história, de uma geografia mais do que de uma historiografia, de uma graça mais do que de uma natureza.

[DELEUZE  , G.; GUATTARI, F. O que é a filosofia? São Paulo: Editora 34, 2010]


Ver online : Gilles Deleuze


[1On ne verra ici que des allusions sommaires : au lien d’Eros et de la philia chez les Grecs ; au rôle de la Fiancée et du Séducteur chez Kierkegaard ; à la fonction noétique du Couple selon Klossowski (Les lois de l’hospitalité, Gallimard) ; à la constitution de la femme-philosophe selon Michèle Le Doeuff (L’étude et le rouet, Ed. du Seuil) ; au nouveau personnage de l’Ami chez Blanchot