Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Deleuze (1980:156-157) – Édipo

sábado 26 de outubro de 2024

Uma coisa nos preocupa mais uma vez: a história de Édipo. Pois Édipo no mundo grego é quase único. Toda a primeira parte é imperial, despótica, paranoica, interpretativa, divinatória. Mas toda a segunda parte é a errância de Édipo, sua linha de fuga no duplo desvio, de seu próprio rosto e do rosto de Deus. Ao invés dos limites bastante precisos que transpomos ordenadamente, ou, ao contrário, que não temos o direito de transpor (hybris), um ocultamento do limite no qual Édipo é tragado. Ao invés da irradiação significante interpretativa, um processo linear subjetivo que permitirá exatamente a Édipo guardar um segredo como resíduo capaz de reiniciar um novo processo linear. Édipo, denominado atheos: ele inventa algo pior do que a morte ou do que o exílio, segue a linha de separação ou de desterritorialização estranhamente positiva onde erra e sobrevive. Hölderlin   e Heidegger veem aí o nascimento do duplo desfio, a mudança de rosto, e o nascimento da tragédia moderna, dos quais eles afirmam terem os gregos se beneficiado estranhamente: o resultado não é mais o assassinato e a morte brusca, mas uma sobrevivência em sursis, um adiamento ilimitado. Nietzsche   sugeria que Édipo, em oposição a Prometeu, era o mito semita dos gregos, a glorificação da Paixão ou da passividade. Édipo, o Caim grego. Voltemos mais uma vez à psicanálise. Não foi por acaso que Freud   escolheu Édipo. Trata-se verdadeiramente de uma semiótica mista: regime despótico da significância e da interpretação, com irradiação do rosto; mas também regime autoritário da subjetivação e do profetismo, com desvio do rosto (nesse momento, o psicanalista situado atrás do paciente adquire todo seu sentido). Os recentes esforços para explicar que um “significante representa o sujeito para um outro significante” são tipicamente sincretismo: processo linear da subjetividade ao mesmo tempo que desenvolvimento circular do significante e da interpretação. Dois regimes de signos absolutamente diferentes para um misto. Mas é aí que os piores poderes, os mais dissimulados, são fundados.

[DELEUZE  , Gilles & GUATTARI, Félix. Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia, vol. 2. Tradução de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de janeiro: Ed. 34, 1995. Edição francesa, volume único, 1980]


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