Mas o que significa aqui pensar? Quando dizemos ou escutamos o verbo pensar e seus derivados, pensador, pensamento, pensativo, pensável ou pensado, evocamos logo toda uma cadeia de significantes: o sujeito que pensa, o objeto pensado, o ato de pensar, o processo de pensamento, conteúdo em que o sujeito pensa o objeto, a forma de que se reveste o objeto e se veste o processo de pensar, o contexto ideológico que tudo sobredetermina. É uma avalanche que se atropela em seu próprio tropel. [549]
Quaisquer que sejam a segurança, exatidão e certeza com que todos esses fios de relações se amarram e se tecem uns com os outros, o tecido resultante ficará sempre preso ao poder da representação e às pretensões de uma onipotência, a saber, às pretensões da representação de poder ser cada vez toda e somente representação. Nesse sentido, tudo é pensável a não ser a condição de possibilidade da própria representação. E por que a ressalva? — Porque, por e para poder representar, o que possibilita a representação, já não pode ser representado. Ninguém pode pular a própria sombra.
Por isso mesmo, em todo pensamento se dá algo que não somente não pode ser pensado como, sobretudo e em tudo que se pensa, significa pensar, isto é, faz e torna possível o pensamento. Este “não pensado”, que nunca poderá ser pensado, é, pois, um nada. Mas não um nada somente negativo, nem um nada somente positivo e nem uma mistura, com ou sem dialética, de negativo e positivo. Mas então que nada é este? — Um nada somente criativo tanto da negação como da posição e da composição de ambos. Constitui a “causa” e a “coisa” do pensamento essencial, do pensamento radical, o pensamento dos pensadores. Pois “causa” não tem aqui o sentido de causalidade, nem “coisa” o sentido de opacidade, gravidade ou objetividade. A “causa” do pensamento é requisição de radicalidade, a “coisa” do pensamento é reivindicação de originariedade nas peripécias de representação. Com esta tarefa de radicalidade, com este ofício de originariedade, a “causa” e a “coisa” do pensamento é o que sempre de novo nos provoca e mais nos leva a pensar representações. No pensamento, portanto, nem tudo é representação. Ao contrário, toda representação nos remete a pensar as raízes e origens de sua vigência e constituição, toda representação inclui sempre um nível de pensamento que não representa nada, toda representação vive de acolher e aceitar, em seus limites, o mistério da realidade, subtraindo-se em todas as realizações. Pois é esta remissão, é esta inclusão, é esta vivência das representações que aciona a questão do ser e do tempo.
O pensamento vive um movimento de converter as antíteses e sínteses visíveis das representações na harmonia invisível de sua origem. Nesta inversão, festeja-se a autoridade de ser e realizar-se de todo real, segundo as palavras de ser no tempo, ditas por Heráclito: [550]
A harmonia invisível tem mais vigor de articulação do que a visível (frag. 54). É que as coisas do pensamento são radicalmente simples. Não constituem privilégio de nenhum saber, de nenhum ter, de nenhum agir. Estão por toda parte onde se recolhe um modo de ser. Pensador é todo homem. Todos têm gosto pela revelação do mistério no des-velamento do não-saber. A arte de pensar é dada por um modo extraordinário de sentir e escutar o silêncio do sentido, nos discursos das realizações. No pensamento não somos apenas enviados a remissões e referências. Não está na semântica ou na sintaxe a originariedade do pensamento. Uma paixão mais originária do que toda semântica ou qualquer sintaxe, a paixão do sentido, toma posse de nosso ser e nos faz viajar por dentro do próprio movimento de referir, de remeter, de enviar.