Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Carneiro Leão (2015:553-554) – Os homens falam para responder e são para falar

segunda-feira 18 de novembro de 2024

No pensamento, a fala nunca é primeiro. O pensamento nunca fala de modo próprio. Sempre responde por já ter escutado. Toda pergunta ou questão do pensamento torna-se radical por já ser sempre resposta. Só se consegue dizer a palavra essencial na escuta do sentido, a essência da palavra. Só muito raramente o pensamento chega à sua essência de escuta do sentido. Obediência é uma audiência atenta do sentido. Por lhe dirigir constantemente a essência da palavra, o tempo, enquanto pronome do ser, está sempre dizendo a palavra crucial, mas que o pensamento só consegue repetir numa variedade infinda de palavras, de gestos, de sentidos, de ações.

Os homens falam para responder e são para falar. Quando terminam de falar deixam de ser. Pois um laço extraordinário entrelaça morte e sentido no tecido da existência humana: vigor silencioso de uma mesma essência, presença serena do mesmo nada criativo. [553] O homem é o ser que fala mesmo quando não fala e cala, recolhendo-se no silêncio do sentido, assim como é o ser que morre, mesmo quando não morre e vive, recolhendo-se à temporalidade da existência. A fala remete para além ou aquém das palavras, mas este remeter não é semântico nem sintático. É o silêncio do sentido. A fala só fala para e por calar. A palavra essencial, sendo a essência da palavra no tempo das realizações, é apenas silêncio. Por isso, não há nada, nem além, nem aquém da palavra; só se dá mesmo o nada. E não se trata de um nada negativo, nem nada que se esvai e contenta em negar tudo sem negar a si mesmo em sua negação. Trata-se de um nada criativo, um nada que deixa tudo originar-se: a terra, o mundo, a história, os homens, com todas as negações e afirmações. É um nada que constitui a estrutura ser-no-mundo.

[CARNEIRO LEÃO, "Posfácio", in HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo  . Tr. Márcia Sá Cavalcante   Schuback  . Petrópolis: Vozes, 2015]


Ver online : Emmanuel Carneiro Leão