Em seu Essai sur la connaissance approché (277), Gaston Bachelard afirma peremptoriamente:
“La diversité absolue d’un chaos ne pourrait recevoir l’occasion d’acune action e par conséquence d’aucune pensée
“A diversidade absoluta de um cáos não poderia receber a ocasião de nenhuma ação e, por conseguinte, de nenhum pensamento”!
Diante de uma afirmativa tão cabal, nossa tentativa de falar do sentido grego do cáos é uma insensatez. Pois promove a expectativa de que se vai pensar sobre ο χάος. Não é o que se pretende. Na verdade, o propósito nem é simplesmente outro. Ninguém nunca consegue pensar sobre o cáos, por mais que deseje e se empenhe. Quem o pretendesse nem mesmo saberia o que estaria fazendo, i.é, que não estaria pensando sobre o cáos mas sobre uma coisa. Pois só é possível pensar sobre o que tem sentido, nunca sobre o princípio de ordem e articulação da possibilidade de haver sentido. E o primeiro aceno que nos deixou a experiência grega: o cáos só se dá na impossibilidade e como impossibilidade de se pensar, de se falar e/ou de se agir sobre ele. Por isso, com o tema, O sentido Grego do Χάος, nem podemos renunciar à pretensão de pensar e/ou falar sobre ο χάος. Estamos sempre numa “outra” possibilidade? Mas qual?
Na possibilidade de se pensar, de se falar, de se agir, não de certo sobre - o que será sempre impossível - mas a partir do cáos. E não se trata de uma tal ou qual possibilidade. Trata-se da possibilidade que sempre se dá e tem sempre de se dar, para se poder pensar, falar ou agir sobre qualquer coisa que seja. É, pois, a possibilidade κατ’έξοχήν, a possibilidade por excelência. Esta possibilidade por excelência é a impossibilidade de [36] ο χάος ser alguma coisa e não obstante deixar surgir em e de seu seio toda e qualquer coisa. Sem ele, não se daria nem o real, nem o possível, nem o necessário. É desta possibilidade por excelência que Heráclito de Efeso nos convida a pensar quando diz que, acima do real e do necessário, está o possível.
Por outro lado, não é apenas impossível pensar, falar e/ou agir sobre o χάος. Também não carece fazê-lo. Pois, em tudo, o que se diz, quando se fala e/ou se cala, sempre se faz a partir do χάος. E o segundo aceno que nos dá a experiência grega: ο χάος não só não é uma coisa. Ο χάος é sobretudo o princípio da possibilidade de tudo. Trata-se de uma experiência de ser e de realidade tão rica e inaugural que dela se origina tudo, o que é e não é, nela se nutre toda criação em qualquer área ou nível, seja do real ou irreal, seja do necessário ou contingente. Por isso é que todo propósito de pensar, falar ou agir envia sempre para este vigor matinal do ser e da realidade. Do χάος provém, para ο χάος remete, no χάος se mantém e de volta ao χάος retoma toda ordem e toda desordem, o mundo e o imundo, tudo que está sendo como tudo que não está sendo.