Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Arendt (T:III.2.1) – propaganda totalitária

quinta-feira 14 de março de 2024

Roberto Raposo

O motivo fundamental da superioridade da propaganda totalitária em comparação com a propaganda de outros partidos e movimentos é que o seu conteúdo, pelo menos para os membros do movimento, não é mais uma questão objetiva a respeito da qual as pessoas possam ter opiniões, mas tornou-se parte tão real e intocável de sua vida como as regras da aritmética. A organização de toda a textura da vida segundo uma ideologia só pode realizar-se completamente sob um regime totalitário. Na Alemanha nazista, duvidar da validade do racismo e do antissemitismo, quando nada importava senão a origem racial, quando uma carreira dependia de uma fisionomia “ariana” (Himmler costumava selecionar os candidatos à SS por fotografias) e a quantidade de comida que cabia a uma pessoa dependia do número dos seus avós judeus, era como colocar em dúvida a própria existência do mundo.

As vantagens de uma propaganda que constantemente empresta à voz fraca e falível do argumento a “força da organização”, e dessa forma realiza, por assim dizer, instantaneamente tudo o que diz, são tão óbvias que dispensam demonstração. Garantida contra argumentos baseados numa realidade que os movimentos prometeram mudar, contra uma propaganda adversária desqualificada pelo simples fato de pertencer ou defender um mundo que as massas ociosas não podem e não querem aceitar, sua inverdade só pode ser demonstrada por outra realidade mais forte ou melhor.

É no momento da derrota que a fraqueza inerente da propaganda totalitária se torna visível. Sem a força do movimento, seus membros cessam imediatamente de acreditar no dogma pelo qual ainda ontem estavam dispostos a sacrificar a vida. Logo que o movimento, isto é, o mundo fictício que as abrigou, é destruído, as massas revertem ao seu antigo status de indivíduos isolados que aceitam de bom grado uma nova função num mundo novo ou mergulham novamente em sua antiga e desesperada superfluidade. Os membros dos movimentos totalitários, inteiramente fanáticos, enquanto o movimento existe, não seguem o exemplo dos fanáticos religiosos morrendo como mártires, embora estivessem antes tão dispostos a morrer como robôs, mas abandonam calmamente o movimento como algo que não deu certo e procuram em torno de si outra ficção promissora, ou esperam até que a velha ficção recupere força suficiente para criar novo movimento de massa.

Original

The fundamental reason for the superiority of totalitarian propaganda over the propaganda of other parties and movements is that its content, for the members of the movement at any rate, is no longer an objective issue about which people may have opinions, but has become as real and untouchable an element in their lives as the rules of arithmetic. The organization of the entire texture of life according to an ideology can be fully carried out only under a totalitarian regime. In Nazi Germany, questioning the validity of racism and antisemitism when nothing mattered but race origin, when a career depended upon an “Aryan” physiognomy (Himmler used to select the applicants for the SS from photographs) and the amount of food upon the number of one’s Jewish grandparents, was like questioning the existence of the world.

The advantages of a propaganda that constantly “adds the power of organization”58 to the feeble and unreliable voice of argument, and thereby realizes, so to speak, on the spur of the moment, whatever it says, are obvious beyond demonstration. Foolproof against arguments based on a reality which the movements promised to change, against a counterpropaganda disqualified by the mere fact that it belongs to or defends a world which the shiftless masses cannot and will not accept, it can be disproved only by another, a stronger or better, reality.

It is in the moment of defeat that the inherent weakness of totalitarian propaganda becomes visible. Without the force of the movement, its members cease at once to believe in the dogma for which yesterday they still were ready to sacrifice their lives. The moment the movement, that is, the fictitious world which sheltered them, is destroyed, the masses revert to their old status of isolated individuals who either happily accept a new function in a changed world or sink back into their old desperate superfluousness. The members of totalitarian movements, utterly fanatical as long as the movement exists, will not follow the example of religious fanatics and die the death of martyrs (even though they were only too willing to die the death of robots).59 Rather they will quietly give up the movement as a bad bet and look around for another promising fiction or wait until the former fiction regains enough strength to establish another mass movement.

[ARENDT  , Hannah. Origens do Totalitarismo. Tr. Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2013 (ebook), Parte III Capítulo 4]

[ARENDT  , Hannah. Totalitarianism. Orlando: Harcourt, 1976 (ebook)]


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