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Sallis (1993:xiii) – "Canção da Terra" de Michel Haar
segunda-feira 4 de novembro de 2024
O que dizer de Canção da Terra [de Michel Haar ]? Essas palavras podem ser reescritas sem o itálico que as faz funcionar como um título? Esse texto é uma canção da terra? Ou pelo menos se torna, em certos momentos, uma canção da terra? É claro que não é a canção, pois há outras, não apenas a de Nietzsche e a de Mahler, mas também outras muito antigas, como o Hino Homérico “À Terra, a Mãe de Todos”, que começa: “Cantarei sobre a terra bem fundada, mãe de todos, a mais velha de todas”. [1] Se o texto de Haar é uma canção da terra, ele também é, como o Hino Homérico, uma canção para a terra? Gostaríamos de perguntar — mas dificilmente podemos — o que poderia significar hoje cantar para a terra.
Ou compor uma canção para a terra, da terra. Em uma canção da terra, alguém cantará a verdade sobre a terra? O que essa veracidade — permanecer fiel (treu) à terra — exigiria hoje? Agora que a própria retirada da verdade, sua monstruosidade, foi pensada com mais força como terra. Ou será que uma canção da terra não ressoaria também da terra, duplicando a canção, até mesmo reformulando a canção que alguém cantaria, reformulando-a como uma resposta a uma canção inaudível da terra? Então se teria reconhecido que uma canção da terra sempre contém, quando se canta, uma certa terra da canção, a corporeidade de seu som a partir da voz. O caráter terreno (das Erdige) da canção.
É preciso ouvir. Talvez quase como se escuta a voz do amigo que, diz Heidegger, todo Dasein carrega consigo [SZ :163]. É preciso ouvir palavras como as de A Canção da Terra, que se seguem a uma discussão sobre a visão inicial de Heidegger de que todo tempo pertence essencialmente ao Dasein, de que não há tempo natural, uma discussão que sugere que aqui Heidegger ultrapassa o limite de sua descrição ao excluir a possibilidade de um tempo da natureza, uma discussão que prossegue para expressar outra descrição, a de um encontro com o jogo de luz e sombras lançadas pelo sol, um encontro no qual a pessoa pode muito bem não se importar com a hora e não se preocupar com qualquer trabalho a ser feito, um encontro no qual a pessoa pode simplesmente prestar atenção ao jogo de sombras que talvez fale apenas do clima da hora. Como se estivesse cantando sobre um tempo da terra.
[HAAR , Michel. The song of the earth : Heidegger and the grounds of the history of being. Tr. Reginald Lilly. Bloomington: Indiana University Press, 1993 (Foreword John Sallis )]
Ver online : John Sallis
[1] Hesiod, The Homeric Hymns and Homerica, with translation by H. G. Evelyn-White (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1914), p. 457.