Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Arendt (T:III.12.3) – “mal radical”

quinta-feira 14 de março de 2024

Roberto Raposo

É inerente a toda a nossa tradição filosófica que não possamos conceber um “mal radical”, e isso se aplica tanto à teologia cristã, que concedeu ao próprio Diabo uma origem celestial, como a Kant  , o único filósofo que, pela denominação que lhe deu, ao menos deve ter suspeitado de que esse mal existia, embora logo o racionalizasse no conceito de um “rancor pervertido” que podia ser explicado por motivos compreensíveis. Assim, não temos onde buscar apoio para compreender um fenômeno que, não obstante, nos confronta com sua realidade avassaladora e rompe com todos os parâmetros que conhecemos. Apenas uma coisa parece discernível: podemos dizer que esse mal radical surgiu em relação a um sistema no qual todos os homens se tornaram igualmente supérfluos. Os que manipulam esse sistema acreditam na própria superfluidade tanto quanto na de todos os outros, e os assassinos totalitários são os mais perigosos porque não se importam se eles próprios estão vivos ou mortos, se jamais viveram ou se nunca nasceram. O perigo das fábricas de cadáveres e dos poços do esquecimento é que hoje, com o aumento universal das populações e dos desterrados, grandes massas de pessoas constantemente se tornam supérfluas se continuamos a pensar em nosso mundo em termos utilitários. Os acontecimentos políticos, sociais e econômicos de toda parte conspiram silenciosamente com os instrumentos totalitários inventados para tornar os homens supérfluos. O bom senso utilitário das massas, que, na maioria dos países, estão demasiado desesperadas para ter muito medo da morte, compreende muito bem a tentação a que isso pode levar. Os nazistas e bolchevistas podem estar certos de que as suas fábricas de extermínio, que demonstram a solução mais rápida do problema do excesso de população, das massas economicamente supérfluas e socialmente sem raízes, são ao mesmo tempo uma atração e uma advertência. As soluções totalitárias podem muito bem sobreviver à queda dos regimes totalitários sob a forma de forte tentação que surgirá sempre que pareça impossível aliviar a miséria política, social ou econômica de um modo digno do homem.

Original

It is inherent in our entire philosophical tradition that we cannot conceive of a “radical evil,” and this is true both for Christian theology, which conceded even to the Devil himself a celestial origin, as well as for Kant  , the only philosopher who, in the word he coined for it, at least must have suspected the existence of this evil even though he immediately rationalized it in the concept of a “perverted ill will” that could be explained by comprehensible motives. Therefore, we actually have nothing to fall back on in order to understand a phenomenon that nevertheless confronts us with its overpowering reality and breaks down all standards we know. There is only one thing that seems to be discernible: we may say that radical evil has emerged in connection with a system in which all men have become equally superfluous. The manipulators of this system believe in their own superfluousness as much as in that of all others, and the totalitarian murderers are all the more dangerous because they do not care if they themselves are alive or dead, if they ever lived or never were born. The danger of the corpse factories and holes of oblivion is that today, with populations and homelessness everywhere on the increase, masses of people are continuously rendered superfluous if we continue to think of our world in utilitarian terms. Political, social, and economic events everywhere are in a silent conspiracy with totalitarian instruments devised for making men superfluous. The implied temptation is well understood by the utilitarian common sense of the masses, who in most countries are too desperate to retain much fear of death. The Nazis and the Bolsheviks can be sure that their factories of annihilation which demonstrate the swiftest solution to the problem of overpopulation, of economically superfluous and socially rootless human masses, are as much of an attraction as a warning. Totalitarian solutions may well survive the fall of totalitarian regimes in the form of strong temptations which will come up whenever it seems impossible to alleviate political, social, or economic misery in a manner worthy of man.

[ARENDT  , Hannah. Origens do Totalitarismo. Tr. Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2013 (ebook), Parte III Capítulo 4]

[ARENDT  , Hannah. Totalitarianism. Orlando: Harcourt, 1976 (ebook)]


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