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Pensamento Ocidental Moderno

Wahl: A TERCEIRA TRÍADE: ESCOLHA E LIBERDADE

Filósofos e Pensadores

quarta-feira 23 de março de 2022

Jean Wahl  , As Filosofias da Existência. Trad. I. Lobato e A. Torres. Publicações Europa  -América, 1962.

Capítulo III A TERCEIRA TRÍADE: ESCOLHA E LIBERDADE - NADA E ANGÚSTIA AUTENTICIDADE

Há um quarto motivo de angústia, ligado à ontologia. Dissemos que não podemos pensar no ser e que não podemos não pensar no ser.

Tais são as quatro razões da angústia kierkegaardiana.

O sentimento da angústia não terá um papel menos importante em Jaspers. Nele, o que está em jogo não é a nossa salvação eterna, ou a nossa danação eterna, o que está em jogo é a nossa existência, e a existência é o que se escolheu independentemente de toda a referência objectiva.

Sabe-se o papel que desempenha a angústia em Heidegger, pelo menos em Sein und Zeit. É só pela angústia que se poderá passar da esfera do inautêntico a esta esfera do autêntico do qual temos de falar. Ele distingue, aceitando neste ponto as distinções de Kíerkegaard, a angústia do temor ou do medo. O temor ou o medo dirigem-se sempre às coisas particulares, enquanto na angústia é o mundo no seu conjunto, ou o sendo no seu conjunto, que se nos apresenta e nos angustia. Nós não estamos angustiados a respeito de qualquer coisa em particular, mas a respeito do sendo em geral.

Ora esta angústia apresenta-se geralmente, do mesmo modo que em Kierkegaard. Kierkegaard dissera que a ausência de angústia é ainda um sinal de angústia: se o homem fica nesta ausência de angústia, é porque a si próprio esconde a sua angústia, por sentir angústia perante a angústia. Nunca há ausência de angústia. A angústia é o fundo permanente dos nossos sentimentos, quer em Kierkegaard, quer em Heidegger. É o sentimento fundamental. Podemos dizer que em Kant o «sentimento» ontológico era de um outro gênero inteiramente diferente, era o respeito: o papel que o respeito tem em Kant é o da angústia em Kierkegaard e Heidegger.

Além disso, é a um outro sentimento que às vezes Heidegger recorre nas suas análises, é ao sentimento do aborrecimento. Ele pensa que o aborrecimento nos revela a nossa natureza temporal  , e particularmente o aborrecimento profundo, dado que Heidegger é então levado a estabelecer toda uma hierarquia de aborrecimentos; há os aborrecimentos particulares, mas abaixo deles há o aborrecimento profundo. Vemos facilmente que este aborrecimento profundo não é outra coisa senão a angústia.

Também vemos como, pela própria palavra «aborrecimento», em alemão Langeweile  , «longa duração», Heidegger pode ser levado a mostrar-nos que é o sentimento da duração que está no fundo de nós próprios.

Encontramos o mesmo sentimento de angústia, acompanhado do sentimento de náusea, como sentimento fundamental em Sartre, e legitimado em parte do mesmo modo que nos autores precedentes, isto é, pela ausência de referência, pela ausência de qualquer ponto de referência, pelo facto de nós estarmos num mundo que não contém normas predeterminadas, e que temos, por consequência, de fazer nós próprios as nossas próprias normas. Somos aqueles que justificam as coisas, e por essa mesma razão somos injustificáveis. E este sentimento do injustificável que se depara no Orestes tal como Sartre no-lo apresenta e nas suas outras personagens, e é este sentimento que causa a angústia.

Entretanto, particularmente na sua conferência L’Existentialisme est un humanisme, Sartre traz um motivo novo. A angústia vem do facto de nós nunca decidirmos só para nós próprios, mas ao mesmo tempo para todos os outros. Já falamos desta ideia de Sartre. Compromete-mo-nos não só nós próprios, mas todos os homens; deste modo, existe uma muito grande responsabilidade na maneira como nos decidimos e na maneira como explicamos o universo.


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