Em Jaspers, a liberdade desaparece na transcendência. Em Heldegger, curva-se perante a «facticidade» e a necessidade, Em Jaspers, a existência é a impossibilidade de atingir a transcendência, embora tendendo sempre para ela; em Heidegger, a possibilidade privilegiada é a do impossível; e o nosso maior ato de liberdade parece ser, pelo menos em certos passos, ver e sentir a nossa liberdade submersa pela necessidade. Em Sartre, ela está sempre em vias de desaparecer, absorvida no «em si».
Mas é nele, entretanto, que o sentimento do facto e do dever da liberdade se conserva mais vivo, ao abrigo da transcendência.
Vimos duas tríades das filosofias da existência, a primeira que compreendia a existência, o ser e a transcendência, a segunda que se referia ao tempo, e que compreendia, por um lado, o possível e o projeto, por outro lado, a origem, e, em terceiro lugar, uma escala de conceitos que ia desde o agora até à situação, e, mais alto que a situação, até ao instante. Tínhamos chegado à terceira tríade, da qual havíamos estudado o primeiro termo, que era escolha e liberdade. Vamos estudar o segundo, que se compõe de angústia e de nada, e chegaremos, depois, ao terceiro termo desta tríade, que será repetição e autenticidade.
Vimos como a angústia está ligada, em Kierkegaard, à ideia de escolha. Há possibilidades de mal em nós. Há possíveis tentadores. Daí, um primeiro motivo de angústia.
Um segundo motivo vem do facto de ser a nossa salvação eterna ou a nossa condenação eterna que está sempre em jogo.
O pecado tem um duplo papel na concepção de Kierkeggard. Em primeiro lugar, é a consciência do pecado que destrói a concepção hegeliana do mundo; descontínuo, individual, transcendente, ele quebra o Sistema. Segundo Kierkegaard, não há nada de mais individual, nada que me encerre mais em mim próprio, que o pecado. Mas, em segundo lugar, ele leva-nos até à existência religiosa, dado que a ideia de pecado implica a ideia de que estou perante Deus.
O terceiro motivo de angústia consiste no facto que é muito difícil de distinguir o que é o mal e o que é o bem, de saber se o possível é um possível tentador ou um possível salvador, porque tudo é ambíguo neste domínio da existência, não há nenhum sinal exterior. E voltamos a esta ideia que temos visto muitas vezes, quer em Kierkegaard, quer em Sartre: não há ponto de referência fixo, temos de navegar sem bússola.
O existente que nos esforçamos por caracterizar não estará nunca seguro de ser aquele que Kierkegaard chama o cavaleiro da crença. «Sou eu o cavaleiro da crença ou sou simplesmente tentado, eu não sei nada, não devo saber nada a esse respeito, estou aqui correndo o risco absoluto.»
Eu tenho, em todos os momentos, diz-nos Jaspers, de decidir se me perco no nada ou se me identifico comigo próprio em me afirmando a mim próprio. Estou incessantemente na escolha entre o ser e o não ser. Tenho de decidir o que sou e sé sou. Portanto, eu nunca sou qualquer coisa que esteja decidido, mas alguém a decidir-se, que se vai decidir; vou eu ser idêntico a mim próprio, ser fiel a mim próprio, ser profundamente histórico, ou abandonar-me e desenraizar-me da minha própria história ?
A ideia de paixão e a ideia de incerteza estão ligadas; é por qualquer coisa que não é completamente certa que nós nos apaixonaremos particularmente; não nos apaixonaremos por certezas, mas por qualquer coisa que é um risco. O pensador subjectivo não possui uma verdade universalizável no sentido racional do termo, ele tem sempre a sensação de estar em perigo, de estar num oceano muito profundo e no meio de uma tempestade. É a incerteza da sua relação com o que ele julga que fará a intensidade da sua subjetividade. Ele está num mar tempestuoso e profundo. No domínio da existência, no domínio da subjetividade, nele não existem nem provas nem demonstrações. Quando tiver conhecido este risco, todo o indivíduo ficará transformado; não há aqui resultado no sentido em que a ciência dá resultados, mas a interioridade do indivíduo é transformada e, neste sentido, tudo é transformado.