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Sócrates Buzzi

terça-feira 29 de março de 2022

Sócrates
SÓCRATES está no ocaso do pensamento grego. Ocaso é movimento que se encaminha para uma decisão articulada, para uma definida maneira de dizer e viver o ser.

Em Heráclito e Parmênides o ser não era claramente representado num conceito. Era insinuado no vigor que fluía ou na vigência do que aparecia. Era aí, na imersão do manifestado, que o ser se revelava e se velava, se dizia e não se dizia.

Sócrates empreende um esforço que se desvia dessa primitiva tradição filosófica grega. Daí o chamar-se o período que lhe é anterior de pré-socrático. A filosofia posterior é socrática.

A palavra Sócrates, que significa força (krátos) que salva (soo), enuncia o destino de seu filosofar: evocar no humano a força que o salva. Essa paideia   ou educação do humano própria do filósofo ficou conhecida na história como maiêutica ou ironia socrática.

Vejamos como se constituiu o caminhar de Sócrates. O filósofo é o homem que vive imerso no obscuro da vida. Vive o caleidoscópio da existência a partir de uma profundidade que lhe é totalmente obscura, desconhecida.

O empenho em dilucidar o ser que vivemos se faz em Sócrates em dois momentos distintos, mas não separados. O primeiro momento é por ele chamado de eironia (ironia), o segundo de maia (nascimento). Seu método é então ironia ou maiêutica, conforme se privilegia o primeiro ou o segundo momento.

O que é a ironia sacrática? É o movimento do espírito que investiga, que questiona o ser escuro em que vivemos. Desse questionar nasce (maieuein) um saber, o conhecimento. O conhecimento é formulado num conceito, numa representação. O conceito, a representação conseguida através do questionamento, é um saber que diz a competência do pensamento: pode representar em conceito o escuro do ser que é. Mas em assim procedendo, o pensamento se dá conta que o que ele percebe e compreende é a representação (o conceito) do ser e não o ser ele mesmo. Daí o chamar Sócrates seu questionamento de ironia: porque dá um saber que melhor mostra o não-saber.

Nesse contexto é que se entende a humilde frase socrática: sei que nada sei.

Com Sócrates inicia-se a grandiosa história ocidental, denominada Metafísica, que é o empenho de colocar a realidade, tudo o que o ser é, numa representação. O empenho se concentrou, a partir de Sócrates, em esmerar sempre mais o saber, i. é, a representação gerada no questionamento. Doravante é a representação, o conceito, a ideia, que dirá o que o ser é. Esqueceu-se a outra face de Sócrates, o pré-socrático: o empenho de perceber que todo saber é um não-saber, que todo saber que temos e vivemos se sustenta no envio do que não se sabe.

A jovialidade da sabedoria «sei que nada sei» é a transcrição filosófica do mito de Eros   (não-saber) e Psiqué (saber) (v. (Mito de Eros e Psique).

Psiqué, filha de certo rei e rainha, era de tão grande beleza que não havia quem ousasse pedi-la em casamento. Vivia sozinha em seus ricos aposentos, lamentando a solidão de sua beleza.

Os pais resolveram levá-la à colina do deus Zéfiro. No desterro encontrasse talvez sua pátria. O gentil Zéfiro carregou-a até um campo cheio de flores, onde Psiqué adormeceu. Ao acordar estava num lindo bosque, perto de uma fonte de água límpida. Viu próximo um palácio magnífico de nobres aposentos, enriquecidos de esculturas, quadros de arte e tesouros raros. Uma voz lhe dizia: «Soberana senhora, tudo que vedes é vosso».

Psiqué foi acolhida no palácio: seus ouvidos ouviam as mais belas melodias das coisas que tocava, seus olhos a mais bela harmonia. E na escuridão da noite, seu ser se deliciava no convívio amoroso de Eros. Nos caminhos, no silêncio das estrelas, nos vales e montanhas, ela ouvia os ecos distantes da voz de seu Amor e encontrava suas marcas por toda parte. Mas jamais se viram!

Então dúvida e medo assaltaram Psiqué. Essas formas fantasmais se interpuseram entre ela e Eros. Psiqué queria ver e ter certeza!

Psiqué, atormentada pela dúvida, armou-se de uma lâmpada.

Quando Eros estava em seu primeiro sono, ela se levantou da cama, fez luz e viu o mais encantador e belo dos deuses. Enquanto ela se debruçava para contemplá-lo mais de perto, a lâmpada caiu no rosto do deus e o desfigurou. Eros desapareceu.

Psiqué ficou completamente prosternada. Quando recobrou sua compostura e olhou em redor, o palácio e os jardins haviam desaparecido, não mais via a harmonia, não mais ouvia a melodia das coisas. Achou-se num campo aberto, na antiga terra de seus pais.

Saudosa, Psiqué - a Veneradora do Amor - passou a vida a procurar o Encontro com aquele, cujo lar está na terra oculto aos olhos do saber. O que está assim na terra oculto só pode ser do céu.

O céu e a terra vivem, porém, no convívio amoroso, porque Eros não esqueceu Psiqué. Um dia veio buscá-la e a levou para Júpiter, que em presença dos deuses lhe deu um copo de ambrosia e disse: «Bebe, Psiqué, e sê imortal; que Eros nunca escape ao nó a que ele está agora ligado, e que estas núpcias joviais sejam perpétuas».


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