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Totalidade e Infinito

Lévinas (1991:24-26) – Mesmo - Outro - Eu

Ruptura da Totalidade

quarta-feira 2 de dezembro de 2020, por Cardoso de Castro

Ser eu é, para além de toda a individualização que se pode ter de um sistema de referências, possuir a identidade como conteúdo. O eu não é um ser que se mantém sempre o mesmo, mas o ser cujo existir consiste em identificar-se, em reencontrar a sua identidade através de tudo o que lhe acontece. É a identidade por excelência, a obra original da identificação.

João Pinto Ribeiro

A alteridade, a heterogeneidade radical do Outro, só é possível se o Outro é realmente outro em relação a um termo cuja essência é permanecer no ponto de partida, servir de entrada na relação, ser o Mesmo não relativa, mas absolutamente. Um termo só pode permanecer absolutamente no ponto de partida da relação como Eu.

Ser eu é, para além de toda a individualização que se pode ter de um sistema de referências, possuir a identidade como conteúdo. O eu não é um ser que se mantém sempre o mesmo, mas o ser cujo existir consiste em identificar-se, em reencontrar a sua identidade através de tudo o que lhe acontece. É a identidade por excelência, a obra original da identificação.

O Eu é idêntico mesmo nas suas alterações: representa-as e pensa-as para si. A identidade universal em que o heterogêneo pode ser abrangido tem a ossatura de um sujeito, da primeira pessoa. Pensamento universal, é um «eu penso».

O Eu é idêntico mesmo nas suas alterações, num outro sentido ainda. Com efeito, o eu que pensa dá por si a pensar ou espanta-se com as suas profundidades e, em si, é um outro. Descobre assim a famosa ingenuidade do seu pensamento que pensa «perante dele», como se caminha «diante de si». Dá por si a pensar e surpreende-se como dogmático, estranho a si próprio. Mas o Eu é o Mesmo perante a alteridade, confunde-se consigo, incapaz de apostasia em relação a esse «si» surpreendente. A fenomenologia hegeliana — onde a consciência de si é a distinção daquilo que não é distinto — exprime a universalidade do Mesmo que se identifica na alteridade dos objectos pensados e apesar da oposição de si a si. «Distingo-me a mim de mim próprio e, neste processo, é imediatamente (evidente) para mim que o é distinto não é distinto. Eu, o Homônimo, repilo-me a mim próprio, mas o que foi distinguido e posto como diferente é, enquanto imediatamente distinto, desprovido para mim de toda a diferença.» [1] A diferença não é uma diferença, o eu, como outro, não é um «outro». Não vamos reter desta citação o carácter provisório que comporta, para Hegel  , a evidência imediata. O eu que repele o «si», vivido como repugnância, o eu preso ao «si», vivido como aborrecimento — são modos da consciência de si e assentam na ilacerável identidade de eu e de si. A alteridade do eu, que se toma por um outro, pode impressionar a imaginação do poeta, precisamente porque é apenas o jogo do Mesmo: a navegação do eu pelo si — é precisamente um dos modos de identificação do eu.

A identificação do Mesmo no Eu não se produz como uma monótona tautologia: «Eu sou Eu». A originalidade da identificação, irredutível ao formalismo de A é A, escaparia assim à atenção. Há que fixá-la não reflectindo sobre a abstracta representação de si por si: é preciso partir da relação concreta entre um eu e um mundo. Este, estranho e hostil, deveria, em boa lógica, alterar o eu. Ora a verdadeira e original relação entre eles, e onde o eu se revela precisamente como o Mesmo por excelência, produz-se como permanência no mundo. A maneira do Eu contra o «outro» do mundo consiste em permanecer, em identificar-se existindo aí em sua casa. O Eu, num mundo, à primeira vista, outro, é no entanto autóctone. É o próprio reviramento dessa alteração; encontra no mundo um lugar e uma casa. Habitar é a própria maneira de se manter; não como a famosa serpente que se agarra mordendo a sua cauda, mas como o corpo que, na terra, exterior a ele, se aguenta e pode. O «em sua casa» não é um continente, mas um lugar onde eu posso, onde, dependente de uma realidade outra, sou, apesar dessa dependência, ou graças a ela, livre. Basta andar, fazer para apoderar-se seja do que for, para apanhar. Tudo, num certo sentido, está no lugar, tudo está à minha disposição no fim de contas, mesmo os astros, por pouco que eu faça contas, que eu pense nos outros intermediários ou nos meios. O lugar, ambiente, oferece meios. Tudo está ao alcance, tudo me pertence; tudo é de antemão apanhado com a tomada original do lugar, tudo está com-preendido. A possibilidade de possuir, isto é, de suspender a própria alteridade daquilo que só é outro à primeira vista e outro em relação a mim — é a maneira do Mesmo. No mundo estou em minha casa, porque ele se oferece ou se recusa à posse. (O que é absolutamente outro não só se recusa à posse, mas contesta-a e, precisamente por isso, pode consagrá-la.) É preciso tomar a sério o reviramento da alteridade do mundo na identificação de si. Os «momentos» dessa identificação — o corpo, a casa, o trabalho, a posse, a economia — não devem figurar como dados empíricos e contingentes, chapeados sobre uma ossatura formal   do Mesmo; são as articulações dessa estrutura. A identificação do Mesmo não é o [25] vazio de uma tautologia, nem uma oposição dialéctica ao Outro, mas o concreto do egoísmo. Isso tem a ver com a possibilidade da metafísica. Se o Mesmo se identificasse por simples oposição ao Outro faria já parte de uma totalidade englobando o mesmo e o Outro. A pretensão do desejo metafísico, de que tínhamos partido — relação com o absolutamente Outro —, ver-se-ia desmentida. Ora, a separação do metafísico relativamente ao metafísico, que se mantém no âmago da relação — produzindo-se como egoísmo — não é o simples inverso dessa relação.

Original

L’altérité, l’hétérogénéité radicale de l’Autre, n’est possible que si l’Autre est autre par rapport à un terme dont l’essence est de demeurer au point de départ, de servir d’entrée dans la relation, d’être le Même non pas relativement, mais absolument. Un terme ne peut demeurer absolument au point de départ de la relation que comme Moi.

Être moi, c’est, par-delà toute individuation qu’on peut tenir d’un système de références, avoir l’identité comme contenu. Le moi, ce n’est pas un être qui reste toujours le même, mais l’être dont l’exister consiste à s’identifier, à retrouver son identité à travers tout ce qui lui arrive. Il est l’identité par excellence, l’œuvre originelle de l’identification.

Le Moi est identique jusque dans ses altérations. Il se les représente et les pense. L’identité universelle où l’hétérogène peut être embrassé, a l’ossature d’un sujet, de la première personne. Pensée universelle, est un « je pense ».

Le Moi est identique jusque dans ses altérations, dans un autre sens encore. En effet, le moi qui pense s’écoute penser ou s’effraie de ses profondeurs et, à soi, est un autre. Il découvre ainsi la fameuse naïveté de sa pensée qui pense « devant elle », comme on marche « devant soi ». Il s’écoute penser et se surprend dogmatique, étranger à soi. Mais le Moi est le Même devant cette altérité, se confond avec soi, incapable d’apostasie à l’égard de ce « soi » surprenant. La phénoménologie hegelienne où la conscience de soi est la distinction de ce qui n’est pas distinct exprime l’universalité du Même s’identifiant dans l’altérité des objets pensés et malgré l’opposition de soi à soi. « Je me distingue moi-même de moi-même et, dans ce processus  , il est immédiatement (évident) pour moi que ce qui est distinct n’est pas distinct. Moi, l’Homonyme, je me repousse moi-même, mais ce qui a été distingué et posé comme différent est, en tant qu’immédiatement distingué, [25] dépourvu pour moi de toute différence [2]. La différence n’est pas une différence, le je, comme autre, n’est pas un « Autre ». Nous n’allons pas retenir de cette citation le caractère provisoire que comporte, pour Hegel, l’évidence immédiate. Le moi qui repousse le soi, vécu comme répugnance, le moi rivé à soi, vécu comme ennui sont des modes de la conscience de soi et reposent sur l’indéchirable identité de moi et de soi. L’altérité du je, qui se prend pour un autre, peut frapper l’imagination   du poète, précisément parce qu’elle n’est que le jeu du Même : la négation du moi par le soi est précisément l’un des modes d’identification du moi.

L’identification du Même dans le Moi ne se produit pas comme une monotone tautologie : « Moi c’est Moi ». L’originalité de l’identification, irréductible au formalisme de A est A, échapperait ainsi à l’attention. Il faut la fixer non pas en réfléchissant sur l’abstraite représentation de soi par soi. Il faut partir de la relation concrète entre un moi et un monde. Celui-ci, étranger et hostile, devrait, en bonne logique, altérer le moi. Or, la vraie et l’originelle relation entre eux, et où le moi se révèle précisément comme le Même par excellence, se produit comme séjour dans le monde. La manière du Moi contre l’« autre » du monde, consiste à séjourner, à s’identifier en y existant chez soi. Le Moi, dans un monde, de prime abord, autre, est cependant autochtone. Il est le revirement même de cette altération. Il trouve dans le monde un lieu et une maison. Habiter est la façon même de se tenir, non pas comme le fameux serpent qui se saisit en se mordant la queue, mais comme le corps qui, sur la terre, à lui extérieure, se tient et peut. Le « chez soi » n’est pas un contenant, mais un lieu où je peux, où, dépendant d’une réalité autre, je suis, malgré cette dépendance, ou grâce à elle, libre. Il suffit de marcher, de faire pour se saisir de toute chose, pour prendre. Tout, dans un certain sens est dans le lieu, tout [26] est à ma disposition en fin de compte, même les astres, pour peu que je fasse des comptes, que je calcule les intermédiaires ou les moyens. Le lieu, milieu  , offre des moyens. Tout est ici, tout m’appartient; tout à l’avance est pris avec la prise originelle du lieu, tout est com-pris. La possibilité de posséder, c’est-à-dire de suspendre l’altérité même de ce qui n’est autre que de prime abord et autre par rapport à moi est la manière du Même. Dans le monde je suis chez moi, parce qu’il s’offre ou se refuse à la possession. (Ce qui est absolument autre ne se refuse pas seulement à la possession, mais la conteste et, par là précisément, peut la consacrer.) Il faut prendre au sérieux ce revirement de l’altérité du monde en identification de soi. Les « moments » de cette identification le corps, la maison, le travail, la possession, l’économie ne doivent pas figurer comme données empiriques et contingentes, plaquées sur une ossature formelle du Même. Ce sont les articulations de cette structure. L’identification du Même n’est pas le vide d’une tautologie, ni une opposition dialectique à l’Autre, mais le concret de l’égoïsme. Cela importe à la possibilité de la métaphysique. Si le Même s’identifiait par simple opposition à l’Autre, il ferait déjà partie d’une totalité englobant le Même et l’Autre. La prétention du désir métaphysique dont nous étions partis relation avec l’absolument Autre se trouverait démentie. Or, la séparation du métaphysicien à l’égard du métaphysique, qui se maintient au sein   de la relation en se produisant comme égoïsme n’est pas le simple envers de cette relation.


Ver online : Emmanuel Levinas


[1Hegel, Phénoménologie de l’Esprit, Traduction Hyppolite, pp. 139-40.

[2Hegel, Phénoménologie de l’Esprit, Traduction Hyppolite, pp. 139-40.