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Jaspers: § 2. A Questão da Essência do Homem (b)

quarta-feira 23 de março de 2022

Psicopatologia Geral
Psicologia Compreensiva, Explicativa e Fenomenologia
Karl Jaspers  
Trad. Dr. Samuel Penna Reis
Atheneu. 1979

b) A imagem do homem.

Nos métodos de investigação do existir humano, não emerge qualquer imagem unitária do homem, e sim muitas imagens, cada uma com força que lhe é peculiar, impositiva. A investigação empírica, a apreensão compreensiva do homem, o esclarecimento filosófico têm sentido diverso. É erro proceder, quando se conhece o homem, como se todos os conhecimentos a seu respeito estivessem num só plano, como se tivéssemos antes nós o homem como objeto, que seria singular e cujo existir conheceríamos como um todo, em suas causas e efeitos.

Quando se indaga se a multiplicidade do conhecimento do homem é provisória e se pode, em princípio, ser elevada a uma vasta unidade abrangente, a resposta é: A investigação fatual tem ensinado que a multiplicidade metodológica só se separa com mais nitidez, de referência à sua diversidade de significação, pela experiência dos respectivos resultados; mais ainda: ensina que o que, decerto, se procura e se encontra, quando se pesquisa, são relações multilaterais daquilo que se diversifica; não é, entretanto, o princípio da unidade que se descobre, e sim apenas emergem ideias de unidades relativas. Tudo isso é, filosòficamente, concebível, porque, na medida em que se pode investigar, empiricamente, o homem como objeto do conhecimento, não há liberdade humana. Mas, na medida em que vivenciamos, atuamos, investigamos, somos livres em nossa auto-certeza e, por isso, há mais coisas investigáveis do que aquelas acessíveis à nossa investigação. O próprio doente, transformado em objeto, não é livre, como tal, mas vive, como ele mesmo, se aceitamos a liberdade num sentido ou noutro. Noutras palavras: Se houvesse conclusão empírica do homem, divisão completa de seu existir como existir possível de investigar, liberdade alguma haveria. Se, tendo em vista as divisões que estamos sempre fazendo do homem em partes, componentes, membros, fatores, indagamos por que é que as há, só estas e não outras, a resposta é a seguinte: Talvez haja ainda várias outras; há, certamente, outras divisões. A multiplicidade dos métodos e aspectos, a fragmentação do existir humano como objeto da investigação, a inconclusividade é a verdade fundamental do conhecimento do homem no todo. Falha quem tentar apreender o homem no todo de maneira conclusiva e geral, porque cada coisa que se apreende é finita, isolada, não é o próprio homem.

Têm surgido muitas imagens do existir humano: A consciência como palco em que ocorrem certos fenômenos, capaz, palco que é, de apresentar vários estados, ou cenas. — A estruturação da psique vivenciante em percepção, representação, ideação, sentimento, instinto, vontade (ou em mais ou menos membros). — A vida como arco reflexo, que a estímulos externos responde para fora, afinal, com retro-efeitos, numa edificação interna complicada, mediante seleção e transformação. — O todo como aparelho produtivo. — A vida num mundo que, com ela, se configura num todo. — A essência básica do homem como auto-objetificação pela expressão, pelos atos, pelo mundo, pela obra. — Sua estrutura como unidade de conexões compreensíveis ou causais. — Seu existir como existir biológico (antropologia), como configuramento cultural (história), como materialização histórica do indivíduo (esclarecimento existencial). — O todo formado de corpo e alma (dualismo), de corpo, alma, mente (trialismo), da unidade corpo-alma (monismo). — As variações das possibilidades humanas básicas numa multiplicidade de constituições e caracteres.


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