Por isso, este pensamento na sua comunicação é ao mesmo tempo propaganda. O estilo dos escritos não é o estilo da investigação, ou seja, a constante evocação das instâncias contrárias, a procura de fatos que falam contra a própria tese; mas esses escritos proclamam, de forma inequívoca, a verdade agora definitiva, e só apresentam o que a confirma. Constituem um pensamento de advogado de defesa e não um pensamento investigador, porém um pensamento de advogado que tem a certeza da verdade perfeita não em bases científicas, mas em virtude de fé.
A autêntica ciência moderna em qualquer das suas formas - na qual o conhecimento tem caráter necessário e universal, metódico e objetivo - por oposição à ciência unificada marxista, é particular, não conhece nenhum método universal, mas se dirige, em cada caso, com métodos particulares a objetos determinados.
A ciência, enquanto ciência unitária marxista, em princípio nada tem a ver com esta ciência moderna. A forma marxista da ciência é, antes, uma forma de conhecimento que foi válida durante séculos em grandes sistemas filosóficos como saber total. Para a ciência crítica moderna, essa forma tornou-se caduca, por ser uma ciência apenas aparentemente. O "saber total" de Marx pode ser desmascarado como forma deste suposto saber, tal como ainda Hegel o tinha realizado, e que Marx repetiu em forma antiquada e conteúdo especificamente moderno.
É característico de toda fé o repúdio da incredulidade. Enquanto possuidor de um saber total, Marx, como os teólogos, era inimigo do agnosticismo e do cepticismo. Repudiava, por exemplo, a Kant , que para ele é um céptico, em cuja filosofia, segundo ele, se reflete "a impotência, o desânimo e a miséria da burguesia alemã".
É evidente que a força do pensamento marxista está precisamente na sua falsidade primordial, que consiste em fazer passar uma fé por ciência. Da fé vem-lhe o fanatismo da certeza, o nome de ciência dá-lhe o disfarce. O que é fé pessoal passa a ser chamado de ciência. A fé nunca se denomina a si mesma de fé, mas se comporta como toda fé dogmática, cega a tudo que lhe é contrário, agressiva, incapaz de comunicação.
c) Marx, como homem de ciência e como homem de fé filosófica, é inseparável de Marx como político. Ou antes, a vontade política é que tem a predominância. Sua ação política é a ação de uma fé, sua fé mesma já é política. Marx e os marxistas são combatentes da fé.
E porque Marx conhece sem ilusões as realidades que são a força e o poder, estabelece-as como elementos decisivos no seu programa de ação. Pensa sempre na eficiência real dos processos planejados. Quer fugir da discussão e do palavreado, quer adeptos. O objetivo é primeiramente a ditadura do proletariado. Esta só pode ser realizada pela violência.
Não há nele nenhuma auto-limitação consciente a essa vontade de poder. Pois o objetivo, a verdade da fé, tudo justifica.
E esta política, com apoio no seu conhecimento, julga poder realizar o que nenhuma outra anteriormente pôde. Já que tem uma visão total da história, pode conceber um planejamento total e realizá-lo.
Se, de acordo com Marx, vemos como numa unidade os três elementos, ciência, fé e política, então a fatalidade espiritual está nisto: a aniquilação da ciência executada por Marx, em nome da ciência.
Talvez possa compreender-se isso mais rapidamente considerando o sentido da dialética. A dialética é o movimento por opostos nas transformações, movimento que tem lugar no pensamento e nas coisas mesmas.
Marx leva ao absoluto: tudo é dialético; e acrescenta: o que até hoje acontecia de fato dialeticamente, mas sem que se tivesse consciência disso, far-se-á agora dialeticamente de modo consciente, e será assim ao mesmo tempo liberdade e necessidade.