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Pensamento Ocidental Moderno

Jaspers: A EXIGÊNCIA DE CIENTIFICIDADE

Filósofos e Pensadores

quarta-feira 23 de março de 2022

Razão e anti-razão em mosso tempo
Karl Jaspers  
Trad. Álvaro Vieira Pinto
Conferências na Universidade de Heidelberg 1950

Textos de Filosofia Contemporânea
Instituto Superior de Estudos Brasileiros
1958

Primeira conferência: A EXIGÊNCIA DE CIENTIFICIDADE

Aos olhos de Marx  , a história se apresenta como um todo. Partindo de um estado primitivo de comunidade sem violência, em que há igualdade dos homens, mas na letargia da consciência e na falta de todo desenvolvimento técnico, - o caminho da história, através do pecado original da divisão do trabalho, da propriedade privada e da diferença de classes, levou a um enorme desenvolvimento do saber e do poder, mais admirável que nunca na época da burguesia criadora da técnica moderna. Esta marcha continuará até o estado final de restabelecimento da comunidade com igualdade de todos numa sociedade sem violência, e por conseguinte sem Estado, que trará, em liberdade, uma nova e inaudita expansão da capacidade e da criação humanas.

A história da evolução do trabalho é a chave para a compreensão de toda a história. As leis econômicas não são leis eternas, mas pertencem a cada estádio dos modos de trabalho e de sua forma social. São leis historicamente condicionadas, que surgem e passam.

O método para compreender este movimento é a dialética, que, como forma do nosso pensamento, atinge ao mesmo tempo o próprio movimento da coisa. Pela transformação no oposto, toda coisa aparentemente estável é arrancada da sua imobilidade, até alcançar-se a síntese perfeita na harmoniosa liberdade de todos. Até lá, cada fase da história produz as forças em virtude das quais essa fase será superada.

Este movimento produz o Estado como função do poder, no interesse   da classe dominante em cada momento, produz as ideologias como ideias justificadoras, mas também a ciência e a técnica, que, como aquisições definitivas, servirão um dia à sociedade sem classes.

Tudo isto Marx procurou alicerçar, verificar e confirmar por conhecimentos econômicos e sociológicos. Mas, em todos os detalhes, na extensa coleção de materiais, nas suas engenhosas teorias econômicas, anima  -o esta convicção fundamental: a história está madura, está na iminência da última transformação, que produzirá a verdade, a justiça e a liberdade da sociedade sem classes.

Todas as revoluções até agora foram apenas reviravoltas devidas à tomada do poder por parte de novos grupos de homens, enquanto a situação geral, o gênero de atividade, de divisão do trabalho, do trabalho violentamente obrigatório no sentido da exploração, permaneceram inalterados. A revolução comunista, ao contrario, trará uma transformação da situação geral mesma, simultaneamente com a correspondente modificação dos homens como tais. O homem tornar-se-á completamente diferente e somente assim estará capacitado para a fundação da nova sociedade. Atualmente, devido à marcha da história, o homem ainda está alienado de si próprio, em virtude da divisão do trabalho, do falso maquinismo (que somente será superado em uma técnica futura perfeita), do dinheiro, do caráter das coisas como mercadorias, etc. Como proletário, o homem atingiu por fim o estado de extrema perdição. E somente por meio dessa perda total é que se realizará dialeticamente a transformação no seu contrário, a completa recuperação do homem.

Esta primeira e última revolução, esta verdadeira revolução, que abrange o ser inteiro do homem, virá certamente, mas será produzida pelos homens mesmo. A fatalidade do curso da história coincide com a liberdade da ação humana. Toda filosofia da história até aqui era passivamente contemplativa, esta agora é ativa, atuando já por meio do pensamento mesmo.

Porque, para agir acertadamente em favor desta revolução, nela e depois dela, isto é, na linha da necessidade histórica, a ciência é indispensável. Esta ciência, Marx a traz. Sabe o que está fazendo com ela, quando escreve estas palavras ameaçadoras: "Os filósofos têm apenas interpretado o mundo diversamente; o que importa, porém, é transformá-lo."

A paixão da justiça, a revolta contra a injustiça, antiquíssimas e sempre inúteis, transformam-se, para Marx, graças a esta ciência, ao sair do mundo intemporal do Dever e ingressar na história real. Mantendo-se dentro dela, o homem pode dar realidade histórica àquilo que está maduro para o seu tempo, como um passo para a justiça. Quando, porém, passa ao lado da história real, agindo a partir de um espaço abstrato, é aniquilado. Por conseguinte, Marx rejeitou, em princípio, o critério absoluto, em favor do critério histórico. E este é adquirido pelo conhecimento da história na sua totalidade como um critério que varia. Para isto a ciência é necessária.


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