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Meditações Cartesianas

Husserl (MC:31-33) – O idealismo transcendental

Conferências de Paris

sexta-feira 23 de fevereiro de 2018

HUSSERL  , Edmund. Meditações cartesianas e Conferências de Paris. Ed. Stephan Strasser. Tr. Pedro M. S. Alves. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 31-33

A transcendência é um caráter de ser imanente, que se constitui no interior do ego  . Todo sentido que se possa conceber, todo ser concebível, chama-se ele imanente ou transcendente, cai no domínio da subjetividade transcendental  . Um seu exterior é um contrassenso, ela é a universal, a absoluta concreção. Não tem sentido querer captar o universo do ser verdadeiro como qualquer coisa que está fora do universo da consciência possível, do conhecimento possível, da evidência possível, de modo [31] que ambos os universos se correlacionassem de uma forma simplesmente exterior por meio de uma lei fixa. <33> Por essência, ambos se correspondem, e aquilo que se corresponde por essência é, também, concretamente um, um na concreção absoluta: a da subjetividade transcendental. - Ela é o universo do sentido possível, um exterior será precisamente algo sem sentido. Mas já o próprio sem sentido é um modo de sentido, e esta ausência de sentido tem a sua evidência. Isto não vale, porém, simplesmente para o ego fático e para aquilo que faticamente lhe está acessível enquanto ente para ele. A autoexplicitação fenomenológica é uma autoexplicitação apriorística, e assim tudo é válido para qualquer ego pensável, possível, para cada ser pensável e, por conseguinte, para quaisquer mundos pensáveis. A Teoria do Conhecimento autêntica só tem, assim, pleno   sentido enquanto fenomenológico-transcendental, a qual, em vez de ter que ver com inferências, que são um contrassenso, de uma suposta imanência para uma suposta transcendência de “coisas-em-si” que, alegadamente, seriam, por razões de princípio, incognoscíveis, tem exclusivamente que ver com o esclarecimento sistemático da operatividade cognitiva, na qual estas devem, de ponta a ponta, ser compreendidas como uma realização intencional. Precisamente por isso, todo tipo de ser, tanto real como ideal  , [1] se torna ele próprio compreensível enquanto formação constituída precisamente nesta operatividade da subjetividade transcendental. Este tipo de compreensibilidade é a mais alta forma de racionalidade que se pode conceber. Todas as transviadas interpretações do ser provêm da cegueira ingênua a respeito dos horizontes que são codeterminantes do sentido do ser. Assim conduz a pura autoexplicitação do ego, prosseguida na pura evidência e, com isso, na concreção, até um Idealismo transcendental, se bem que num sentido fundamental essencialmente novo; não no de um Idealismo psicológico, nem no de um Idealismo que, a partir de dados sensuais carecidos de sentido, quer derivar um mundo pleno de sentido, não um Idealismo kantiano, que, pelo menos como conceito-limite, crê poder manter em aberto a possibilidade de um mundo de coisas-em-si - mas antes um Idealismo que não consiste em nada mais do que na autoexplicitação, [32] consequentemente desenvolvida, na forma de uma ciência egológica sistemática de cada sentido de ser com o qual tudo o que é deve poder ter para mim, o ego, precisamente um sentido. Este Idealismo não é, porém, um produto de jogos argumentativos, um troféu a ganhar no combate dialético com os realismos. <34> Ele é a explicitação do sentido, prosseguida num trabalho efetivo, da transcendência (pré-dada ao ego através da experiência) da Natureza, da Cultura, do Mundo em geral, e isto é o desvendamento sistemático da própria intencionalidade constituinte. A prova deste Idealismo é a realização da própria Fenomenologia.


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[1N.T.: Real, ideal.