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Encarnação

Henry (E) – A questão da encarnação

Introdução

domingo 12 de setembro de 2021

HENRY, Michel. Encarnação: uma filosofia da carne. Tr. Carlos Nougué. São Paulo: É Realizações, 2014.

Tradução

O problema da existência de Cristo não significa nada além disso. Não é o de sua existência histórica. Esta ainda não concerne senão a Jesus. Trata-se então de saber se Jesus de fato existiu, se ele de fato disse o que disse, que ele era o Cristo, o Messias, o Salvador esperado — e não um simples profeta. Ninguém hoje em dia — excetuados os ignorantes ou os sectários — duvida dessa existência. O problema da existência de Cristo é saber se esse homem chamado Jesus que existiu de fato e que se dizia o Cristo (foi por esta única razão que ele foi condenado) o era realmente. Do ponto de vista filosófico, ao qual nos ateremos estritamente neste ensaio, a questão formula-se, pois, exatamente como se segue: alguém como Cristo é possível, o tornar-se homem de Deus enquanto torna-se carne do Verbo é, pelo menos, concebível?

E somente num segundo momento que, colocando-nos sempre num plano filosófico, nós nos perguntaremos se a existência de Cristo entendida como a possibilidade da Encarnação do Verbo [27] é outra coisa além de uma simples possibilidade — mais precisamente, uma existência. Uma simples possibilidade decorre do pensamento, mas uma existência, nunca. Eu posso perfeitamente imaginar que tenho uma moeda de um táler no bolso, supô-lo, dizê-lo ou afirmá-lo, mas a existência da moeda jamais resultará de um ato de meu pensamento. A existência de Cristo enquanto Verbo encarnado supera infinitamente a concepção que posso fazer dela, supondo que a possa fazer. De onde viria ela, nesse caso? Como a existência d’Aquele que é um e o mesmo enquanto Verbo e enquanto carne é suscetível de chegar até nós, de se dar realmente, de se mostrar a nós?

O último motivo da Encarnação que contém a possibilidade da salvação mostra-se a nós: a Encarnação do Verbo é sua revelação, sua habitação entre nós. Se podemos ter relação com Deus e ser salvos nesse contato com ele, é porque seu Verbo se fez carne em Cristo. A revelação de Deus aos homens é, pois, aqui, a existência da carne. É a própria carne como tal que é revelação. Se assim é, duas questões, inteiramente novas e igualmente surpreendentes impõem-se a nós: o que deve então ser a carne para ser em si mesma e por si mesma revelação? Mas o que deve ser a revelação para se cumprir como carne, para cumprir sua obra de revelação na carne e por ela?

Original

Le problème de l’existence du Christ ne signifie rien d’autre. Ce n’est pas celui de son existence historique. Celle-ci ne concerne encore que Jésus. Il s’agit alors de savoir si Jésus a bien existé, s’il a bien dit ce qu’il a dit, qu’il était le Christ, le Messie, le Sauveur attendu – et non un simple prophète. Personne aujourd’hui – si l’on excepte les ignorants ou les sectaires – ne doute de cette existence. Le problème de l’existence du Christ est de savoir si cet homme nommé Jésus, qui a bien existé et qui se disait le Christ (c’est pour cette unique raison qu’il a été condamné) l’était réellement. Du point de vue philosophique auquel nous nous tiendrons strictement dans cet essai, la question se formule donc bien comme suit : quelqu’un comme le Christ est-il possible, le devenir-homme de Dieu en tant que le devenir-chair du Verbe est-il, à tout le moins, concevable ?

C’est seulement dans un second temps que, nous plaçant toujours sur un plan philosophique, nous nous demanderons si l’existence du Christ ainsi entendue comme la possibilité de l’Incarnation du Verbe est autre chose qu’une simple possibilité – précisément une existence. Une simple possibilité relève de la pensée, jamais une existence. Je peux bien imaginer que j’ai une pièce d’un thaler dans ma poche, le supposer, le dire ou l’affirmer, l’existence de la pièce ne résultera jamais d’un acte de ma pensée. L’existence du Christ en tant que celle du Verbe incarné dépasse infiniment la conception que je peux m’en faire, à supposer que je le puisse. D’où viendrait-elle, en ce cas ? Comment l’existence de Celui qui est un et le même en tant que Verbe et en tant que chair est-elle susceptible de parvenir jusqu’à nous, de se donner réellement, de se montrer à nous ?

L’ultime motif de l’Incarnation qui contient la possibilité du salut se découvre à nous : l’Incarnation du Verbe est sa révélation, sa venue parmi nous. Si donc nous pouvons entrer en relation avec Dieu et être sauvés dans ce contact avec lui, c’est parce que son Verbe s’est fait chair dans le Christ. La révélation de Dieu aux hommes est donc ici le fait de la chair. C’est la chair elle-même en tant que telle qui est révélation. S’il en est ainsi, deux questions, entièrement nouvelles et également surprenantes, s’imposent à nous : que doit donc être la chair pour être en elle-même et par elle-même révélation ? Mais que doit être la révélation pour s’accomplir comme chair, pour accomplir son œuvre de révélation dans la chair et par elle ?


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