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Heidegger et l’essence de l’homme

Haar (1990:154-157) – pensar e questionar

terça-feira 30 de maio de 2017, por Cardoso de Castro

Alves

Irrupção no ser, vigilância que rememora, dizer simples — estaremos a esquecer com esta tripla definição que o exercício do pensamento, para quem quer que tenha lido um pouco de Heidegger, manifesta-se antes de mais como um inlaçável questionamento? Da primeira frase de SZ  : «A questão do ser caiu hoje em dia no esquecimento»… até à célebre última palavra do ensaio sobre «a questão da Técnica»: «O questionamento é a devoção do pensamento», parece que Denken   e Fragen   experimentam-se e determinam-se um ao outro. O termo «devoção» indica o coração mais íntimo, a fonte essencial do pensamento: durante o tempo em que se mantém salvo o questionamento, o pensamento permanece vivo e aguarda um futuro. Mas salvo não quer dizer santo, nem sagrado. Esta brusca inflexão religiosa traduz talvez uma nostalgia reprimida.

Mas o que é questionar? Donde nos vêm as questões e o poder de questionar? Was ist Metaphysik  ? Was heisst Denken?, Die frage nach dem Ding  , Zur Seins frage, etc…

A origem da questão é dupla, só há no fundo duas questões para Heidegger. Por um lado, a tradição metafísica pergunta: «o que é o ente enquanto tal?»; é a questão do ti esti  , a da «essência», a Leitfrage, «questão condutora» que atravessa toda a História do Ser precisamente como um fio condutor. Por outro lado, a questão provém do próprio ser: o que havia entrevisto o SZ, dizendo que o Dasein   é o ente cujo ser é «em questão» no seu ser, ou que através dele o sentido do ser vem a ser questionado. Esta obra caracterizava a sua própria tarefa como «elaboração concreta da questão do sentido do ser»: concreta quer dizer em e pelo Dasein. A segunda questão, «a questão fundamental», a Grundfrage: «que é feito do ser como tal?», cava um abismo sob toda a fundação, pois que o ser não é uma essência, uma razão ou um fundamento, o retorno ao ser não permite mais responder com uma «solução» à questão «porquê o ente?», não permite mais a dedução transcendental  . Ao contrário da questão que assegura a essência, a Grundfrage, abrindo a abertura do aberto, coloca o homem e todo o ente incessantemente em suspenso e em questão. Ora este pôr em questão não depende duma decisão do pensamento, pois que resulta ao mesmo tempo da Ereignis   e do termo da metafísica. A actividade do pensamento consiste em elaborar a questão, em interrogar a questão, mas não poderá determiná-la de maneira completamente inicial, como se a pusesse livre e deliberadamente, como se a desencadeasse e a dominasse à sua vontade; «tomando-a em consideração» por assim dizer, como se a pudesse não levantar. A «primazia» e a «necessidade» da questão do ser são de tal modo incontornáveis, de tal modo anteriores a toda a lógica, e a toda a vontade, que a questão está desde sempre já posta, mas só implicitamente, quando começamos a pensar-falar. Ela coloca-se na e pela língua, por meio da compreensão do ser que veicula a língua, pelo apelo e exigência que encobre a pequena palavra «é». O ser é a preposição da sua questão. Esta espontaneidade da Grundfrage testemunha do poder do ser sobre a língua. O ser fala e questiona-nos ele próprio através da língua, pelo menos se o soubermos escutar suficientemente.

É por isso que não se trata de modo nenhum duma palinódia quando, muito mais tarde no seu itinerário, Heidegger, em Unterwegs zur Sprache   (1959), parece relativizar radicalmente a instância do questionamento: o questionamento não é o verdadeiro gesto do pensamento, mas — a escuta da palavra que dirige o que deve vir à questão». Noutros termos, podemos apenas estar atentos à questão ou às questões que se colocam. Qualquer verdadeira questão coloca-se com efeito a si mesma antes que nós a coloquemos. Nós apenas a despertamos. Um «problema» pelo contrário é o que nós construímos com todas as peças, o mais frequentemente para nos proteger duma verdadeira questão como por trás de um escudo (problema significa em grego armadura, barreira, baluarte). «Um problema é uma questão cuja resposta é deixada em branco», dizia Leibniz  . O pensamento que obedece ao princípio da razão, o pensamento calculante, questiona também, mas preocupa-se antes, como é usual dizer-se, com «os dados do problema». Ele dá-se sobretudo os limites do seu questionamento. Porque sabe por antecipação que encontrará uma causa, uma razão suficiente, uma razão de ser que possa ter igual razão. Pelo contrário, o questionamento do pensamento meditante não é apenas Grund  -legend, não é um questionamento no sentido duma interrogação que coloca e exige por antecipação uma razão primeira e razões últimas. Heidegger realiza aqui o voto que Husserl   não pôde realizar por falta de radicalidade: a ausência completa de pressupostos. Que o pensamento seja «piedoso», fromm, isso significa que a referida Unterwegs, está «submetida (fugsam) ao que o pensamento tem de pensar», a saber, a língua. Esta submissão, esta obediência às «próprias coisas que daqui em diante contêm e apresentam as próprias palavras, esta «iniciativa» da língua antecipa todo o questionamento, como o primeiro momento do pensamento, momento que não poderia ser de confiança por parte daquele que interroga, ou que pede uma explicação. Embora fiel à confusão, ao pavor do nosso crepúsculo, aos quais responde sempre inadequadamente o questionamento — sem poder nunca anulá-los — nenhum pensamento na nossa época se pode identificar com as questões e satisfazer-se com elas ou nelas. Simples porta-voz do ser, o pensamento vê-se despojado das suas questões.

A que extremos de desnudamento se verá a essência do homem reduzida, examinada agora a partir da relação na qual o ser a detém, ou através da sua História e, sobretudo, do seu fim?

Original

Irruption dans l’être, vigilance qui remémore, dire simple — n’oublions-nous pas avec cette triple définition que l’exercice de la pensée, pour quiconque a un peu lu Heidegger, se manifeste de prime abord comme un inlassable questionnement ? Depuis le premier mot de Sein   und Zeit   : «La question de l’être est aujourd’hui tombée dans l’oubli»… jusqu’au célèbre dernier mot de l’essai sur «la question de la Technique» : «Le questionnement est la piété de la pensée», il semble que Denken et Fragen s’expérimentent et se déterminent l’un l’autre. Le terme de «piété» indique le cour le plus intime, la ressource essentielle de la pensée : aussi longtemps que reste sauf le questionnement, celle-ci reste vive et garde un avenir. Mais sauf ne veut pas dire saint, ni sacré. Cette brusque inflexion religieuse traduit peut-être une nostalgie réprimée.

Mais qu’est-ce que questionner ? D’où les questions et le pouvoir de questionner nous viennent-ils ? Was ist Metaphysik ? Was heisst Denken ?, Die Frage nach dem Ding, Zur Seinsfrage, etc…

L’origine de la question est double, et il n’y a au fond que deux questions pour Heidegger. D’un côté, la tradition   métaphysique demande : «qu’est-ce que l’étant comme tel ?»; c’est la question du ti esti, celle de l’«essence», la Leitfrage, «question conductrice», qui traverse toute l’Histoire de l’Etre précisément comme un fil conducteur. De l’autre côté, la question provient de l’être même : ce qu’avait entrevu Sein und Zeit en disant que le Dasein est l’étant dont l’être est «en question» dans son être, ou qu’à travers lui le sens de l’être vient à être questionné ; et la première ouvre caractérisait sa propre tâche comme «l’élaboration concrète de la question du sens de l’être» : concrète, c’est-à-dire dans et à travers le Dasein. Cette seconde question, «la question fondamentale», la Grundfrage : «qu’en est-il de l’être comme tel ?» creuse un abîme sous toute fondation, car l’être n’est pas une essence, une raison ou un fondement, et le retour à l’être ne permet plus de répondre par une «solution» à la question «pourquoi l’étant ?», ne permet plus la déduction transcendantale. Contrairement à la question qui s’assure de l’essence, la Grundfrage, en ouvrant l’ouverture de l’ouvert met l’homme et tout étant incessamment en suspens et en question. Or cette mise en question ne dépend pas d’une décision de la pensée, car elle résulte à la fois de l’Ereignis et de l’achèvement de la métaphysique. L’activité de la pensée consiste à élaborer la question, à interroger la question, mais elle ne saurait la déterminer de façon tout à fait initiale, au sens où elle la poserait librement et délibérément, la déclencherait et la maîtriserait à son gré ; la «tiendrait en respect» pour ainsi dire, au sens aussi où elle pourrait ne pas la poser. La «primauté» et la «nécessité» de la question de l’être sont tellement incontournables, tellement antérieures à toute logique, et à toute volonté, que la question s’est toujours déjà posée, ne serait-ce qu’implicitement, quand nous commençons à penser-parler. Elle s’est posée dans et par la langue, de par la compréhension de l’être que véhicule la langue, de par l’appel et l’exigence que recèle le petit mot «est». L’être est la préposition de sa question. Cette spontanéité de la Grundfrage témoigne du pouvoir de l’être sur la langue. L’être parle et nous questionne lui-même à travers la langue, du moins si nous savons suffisammment l’écouter.

C’est pourquoi il ne s’agit nullement d’une palinodie lorsque, très tard dans son itinéraire, Heidegger, dans Unterwegs zur Sprache (1959), semble relativiser radicalement l’instance du questionnement : «Le questionnement n’est pas le véritable geste de la pensée, mais — l’écoute de la parole qui adresse ce qui doit venir à la question»". En d’autres termes, nous pouvons seulement être attentifs à la question ou aux questions qui se posent. Toute vraie question se pose en effet elle-même avant que nous ne la posions. Nous ne faisons que la réveiller. Un «problème» par contre est ce que nous construisons de toutes pièces, le plus souvent pour nous protéger d’une vraie question comme derrière un bouclier (problème signifie en grec armure, barrière, rempart). «Un problème est une question dont la réponse est laissée en blanc», disait Leibniz. La pensée qui obéit au principe de raison, la pensée calculante, questionne aussi, mais elle se procure d’avance, comme on dit, «les données du problème». Elle se donne surtout les limites de son questionnement. Car elle sait d’avance qu’elle trouvera une cause, une raison suffisante, une raison d’être, puisqu’être égale raison. Au contraire le questionnement de la pensée méditante n’est pas Grund-legend, n’est pas un questionnement au sens d’une interrogation qui pose et exige d’avance une raison première et des raisons ultimes. Heidegger réalise ici le vou que Husserl n’avait pu réaliser faute de radicalité : l’absence complète de présupposés. Que la pensée soit «pieuse», fromm, cela signifie, dit Unterwegs, qu’elle est «soumise (fügsam) à ce que la pensée a à penser», à savoir la langue. Cette soumission, cette obéissance aux «choses mêmes» que désormais portent et présentent les mots eux-mêmes, cette «initiative» de la langue devance tout questionnement, comme le premier moment de la pensée, moment qui ne saurait être l’assurance de celui qui interroge, ou qui demande une explication. Si elle est fidèle au désarroi, à l’effroi de notre crépuscule, auxquels répond toujours inadéquatement le questionnement — sans pouvoir jamais les annuler — aucune pensée à notre époque ne peut s’identifier aux questions, et se satisfaire d’elles ou en elles. Simple porte-parole de l’être, la pensée se voit dépouillée de ses questions.

A quelle extrémité de dénuement l’essence de l’homme — examinée maintenant depuis la relation en laquelle l’être la détient, au travers de son Histoire et surtout à sa fin — va-t-elle se trouver réduite ?


Ver online : Michel Haar


[HAAR, Michel. Heidegger e a essência do homem. Tr. Ana Cristina Alves. Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 154-157]