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Gadamer (VM): tradição da hermenêutica

quarta-feira 24 de janeiro de 2024, por Cardoso de Castro

Na velha tradição da hermenêutica, que se perdeu completamente na autoconsciência histórica da teoria pós-romântica da ciência, este problema ainda ocupava um lugar sistemático. O problema hermenêutico se dividia como segue: distingue-se uma subtilitas intelligendi, compreensão, de uma subtilitas explicandi, a interpretação, e, durante o pietismo, se acrescentou como terceiro componente a subtilitas applicandi, a aplicação (por exemplo, em J.J. Rambach). Esses três momentos deviam perfazer o modo de realização da compreensão. É significativo que os três recebam o nome de subtilitas, ou seja, que se compreendam menos como um método sobre o qual se dispõe, do que como um fazer, que requer uma particular finura de espírito. 1699 VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.

À luz dessa questão, a venerada tradição da hermenêutica jurídica ganha nova vida. No seio da dogmática jurídica moderna, esse questionamento exerceu um papel insignificante, mesmo que uma dogmática só possa aperfeiçoar-se a si mesma quando conta com inevitáveis manchas vergonhosas. De qualquer modo, não se pode negar que a hermenêutica seja uma disciplina normativa e que exerça a função dogmática de complemento jurídico. Como tal, desempenha uma função indispensável, visto que precisa superar o hiato insuperável entre a generalidade do direito estabelecido e a concreção do caso individual. Nesse sentido, Aristóteles havia delimitado, na Ética a Nicômaco, o espaço hermenêutico relativo à teoria do direito, ao discutir o problema do direito natural e do conceito da epieikeia. Mesmo a reflexão sobre a história da hermenêutica jurídica mostra que o problema da interpretação compreensiva está indissoluvelmente ligado ao problema da aplicação. Essa era a dupla tarefa da ciência jurídica, sobretudo desde a recepção do direito romano  . A questão não era apenas compreender os juristas romanos, mas também aplicar a dogmática do direito romano ao universo cultural moderno. Com isso, uma ligação tão estreita como a que se impôs na teologia, surgiu também entre a tarefa hermenêutica e a tarefa dogmática. Uma teoria da interpretação do direito romano não poderia abandonar-se a uma alienação histórica, pelo menos enquanto o direito romano detivesse sua vigência legal. Isso explica por que a interpretação do direito romano considera óbvio que a teoria da interpretação empreendida por Thibaut (1806) não possa se apoiar apenas na intenção do legislador, tendo que elevar o "fundamento da lei" ao nível de um verdadeiro cânon hermenêutico. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 8.

Parece que lhe causa certa satisfação que a hermenêutica careça de tradição. Em todo caso, só pode referir-se em sentido diverso a Dilthey   e à problemática de uma hermenêutica filosófica desenvolvida a partir de Heidegger. Dilthey buscou mostrar a tradição da hermenêutica teológica, onde se encontram Schleiermacher   e, com ele, o método histórico da era pós-romântica. A pré-história pré-romântica, com efeito, é mais pré-história do que história. A "hermenêutica recente" no sentido de Jaeger só pode nascer pela ampliação da teoria da interpretação teológica e filológica à ideia de uma metodologia histórica geral. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 21.