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Gadamer (VM): perspectiva hermenêutica

quarta-feira 24 de janeiro de 2024, por Cardoso de Castro

O primeiro exemplo é o que constitui a base dos estudos de Wilhelm Dilthey   sobre a história da hermenêutica, aquela obra premiada da Academia das ciências de Berlim, escrita por Dilthey em sua juventude e da qual só conhecíamos alguns fragmentos e um resumo de 1900, até ser finalmente publicada em 1966 graças à redação de Martin Redekner do segundo volume inacabado da Vida de Schleiermacher  , de Dilthey. Ali Dilthey faz uma apresentação magistral de Flacius documentada com inúmeras citações. Examina e valoriza a teoria hermenêutica de Flacius utilizando o critério do sentido histórico que tomou consciência de si próprio e do método científico, histórico-crítico. À luz desse critério mescla-se na obra de Flacius a antecipação genial de certas verdades com incríveis recaídas na estreiteza dogmática e no formalismo vazio. Na realidade, se a interpretação da Sagrada Escritura não tivesse apresentado outro problema a não ser o que ocupou a teologia histórica da época liberal, à qual pertenceu Dilthey, teríamos dito a última palavra com isso. A intenção louvável de se compreender cada texto desde sua circunstância própria, sem submetê-lo a nenhuma pressão dogmática, leva finalmente, na aplicação ao Novo Testamento, à dissolução do cânon, se dermos prioridade, com Schleiermacher, à interpretação "psicológica". Cada escritor do Novo Testamento é um caso à parte nessa perspectiva hermenêutica, e isso leva a solapar a dogmática protestante apoiada no princípio bíblico. É uma consequência que Dilthey aprovou implicitamente. Está implícita em sua crítica a Flacius. Dilthey contesta a exegese de Flacius em sua concepção histórica e abstratamente lógica do princípio da Escritura global ou do cânon. A tensão entre dogmática e exegese aparece também em outras passagens da exposição de Dilthey e sobretudo na crítica a Franz e à sua ênfase na primazia do contexto da Escritura global frente aos textos soltos. Atualmente a crítica à teologia histórica levada a efeito nos últimos cinquenta anos e que culmina na elaboração do conceito de "querigma" nos tornou mais receptivos à legitimidade hermenêutica do cânon e em consequência à legitimidade hermenêutica do interesse   dogmático em Flacius. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 20.

O avanço metodológico resultante dessas observações feitas sobre a linguagem consiste em que o "texto" deve ser entendido aqui como um conceito hermenêutico. Isso significa que não é visto a partir da perspectiva da gramática e da linguística, ou seja, como produto final, buscado pela análise de sua produção. Essa análise tem como propósito aclarar o mecanismo em virtude do qual a linguagem funciona, deixando de lado todos os conteúdos que transmite. Considerado a partir da perspectiva hermenêutica — que é a perspectiva de cada leitor — , o texto não passa de um mero produto intermediário, uma fase no acontecer compreensivo que encerra sem dúvida uma certa abstração: o isolamento e a fixação desta mesma fase. Mas essa abstração toma o caminho inverso daquele tomado pelo linguista. Esse não pretende chegar à compreensão da questão em causa no texto, mas aclarar o funcionamento da linguagem à margem do que o texto pode dizer. Seu tema não é o que o texto comunica, mas como é possível comunicá-lo, os recursos semióticos para produzir esta comunicação. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 24.