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Gadamer (VM): gênese da hermenêutica

quarta-feira 24 de janeiro de 2024, por Cardoso de Castro

O trabalho que se realizou até agora, nesse terreno, determinado sobretudo pela fundamentação hermenêutica das ciências do espírito de Wilhelm Dilthey   e suas investigações sobre a gênese da hermenêutica, fixou as dimensões do problema hermenêutico, a seu modo. Nossa tarefa atual poderia ser a de tentar subtrair-nos da influência dominante do questionamento diltheyano e dos preconceitos da "história do espírito", fundada por ele. 917 VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.

Se reconhecermos como tarefa seguir mais Hegel   do que Schleiermacher  , teremos de acentuar a história da hermenêutica de um modo totalmente novo. Esta já não terá sua realização na liberação da compreensão histórica de todos os pressupostos dogmáticos, e já não poder-se-á considerar a gênese da hermenêutica sob o aspecto em que a apresentou Dilthey, seguindo os passos de Schleiermacher. Nossa tarefa, antes, será refazer o caminho aberto por Dilthey, atendendo a objetivos diversos dos que ele tinha em mente com a sua autoconsciência histórica. Nesse sentido desviar-nos-emos inteiramente do interesse   dogmático pelo problema hermenêutico que o Antigo Testamento despertou já na igreja antiga, e nos contentaremos em palmilhar o desenvolvimento do método hermenêutico na Idade Moderna, que desemboca da consciência histórica. 945 VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.

Todavia, uma pergunta como esta só pode ser colocada hoje, depois que o Aufklärung histórico já mediu plenamente suas possibilidades. Os estudos de Dilthey sobre a gênese da hermenêutica desenvolvem um nexo congruente consigo mesmo e convincente, se se o examina do ponto de vista das pressuposições do conceito de ciência da Idade Moderna. A hermenêutica teve que começar por desvencilhar-se de todos os enquadramentos dogmáticos e liberar-se a si mesma para elevar-se ao significado universal de um organon   histórico. Isto ocorreu no século XVIII, quando homens como Semler e Ernesti reconheceram que, para compreender adequadamente a Escritura, pressupõe-se reconhecer a diversidade de seus autores, e abandonar, por consequência, a unidade dogmática do cânon. Com essa "liberação da interpretação do dogma" (Dilthey), a reunião das Escrituras Sagradas da cristandade assume o papel de reunir fontes históricas que, na qualidade de obras escritas, têm de se submeter a uma interpretação não somente gramatical mas também histórica. A compreensão a partir do contexto do todo requer agora, necessariamente, também a restauração histórica do contexto de vida, a que pertencem os documentos. O velho princípio interpretativo de compreender o individual a partir do todo já não podia reportar-se nem limitar-se à unanimidade dogmática do cânon, mas dirigia-se à abrangência conjuntural da realidade histórica, a cuja totalidade pertence cada documento individual. 959 VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.