Página inicial > Hermenêutica > Gadamer, Hans-Georg (1900-2002) > Gadamer (VM): decorativo

Gadamer (VM): decorativo

quarta-feira 24 de janeiro de 2024, por Cardoso de Castro

É evidente que o conceito do decorativo está sendo pensado aqui, a partir da oposição à "obra de arte autêntica" e a partir de sua origem na inspiração genial. Argumenta-se, por exemplo, assim: o que somente é decorativo não é arte do gênio mas ofício da arte. Como meio, está submetido àquilo que deve adornar, e, tal qual qualquer outro meio submetido a um fim, poderia ser substituído por qualquer outro meio que correspondesse ao fim. O decorativo não participa do caráter único da obra de arte.

Na realidade, o conceito da decoração tem de ser liberado dessa oposição ao conceito da arte vivencial e encontrar seu fundamento na estrutura ontológica da representação, que já elaboramos como modo de ser da obra de arte. Bastará recordar que o adorno, o decorativo são, por seu sentido originário, o belo como tal. Vale a pena reconstruir esse antigo conhecimento. Tudo o que é adorno, e adorna, está determinado pela sua relação com o que ele adorna, com aquilo em que ele é, com aquilo que é seu portador. Não possui um conteúdo estético próprio, o qual somente a posteriori receberia um condicionamento restritivo através da relação para com seu portador. Inclusive Kant  , que pode ter alentado essa opinião  , leva em conta, na sua conhecida assertiva contra as tatuagens, que um adorno só é tal, quando é conveniente ao portador e lhe cai bem. Forma parte do gosto, não somente que se saiba apreciar que algo é bonito em si, mas também que se saiba o âmbito onde ele pertence e onde não. O adorno não é primeiramente uma coisa para si, que mais tarde se acrescenta a uma outra, mas pertence ao representar-se de seu portador. Do adorno tem-se de dizer também, que pertence à representação; a representação, porém, é um acontecimento ôntico, é representação. Um adorno, um ornamento, uma plástica colocada num local preferencial são representativos no mesmo sentido em que o é, por exemplo, a própria igreja em que foram feitos. [Gadamer   Verdade e Método I]