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Gadamer (VM): base hermenêutica

quarta-feira 24 de janeiro de 2024, por Cardoso de Castro

O certo é que tanto a hermenêutica de Schleiermacher   não está totalmente livre do ar escolástico, um tanto empoeirado, da literatura hermenêutica anterior, como sua obra propriamente filosófica se encontra um pouco à sombra dos outros grandes pensadores idealistas. Ele não tem a força impositiva da dedução fichtiana, nem a elegância especulativa de Scheling e nem a obstinação seminal da arte conceptual de Hegel  . Foi um orador, mesmo quando filosofava. Seus livros são antes de tudo anotações de um orador. Suas contribuições à hermenêutica são, em particular, muito fragmentárias e o que tem mais interesse   do ponto de vista hermenêutico, ou seja, suas observações sobre pensar e falar não se encontram na "hermenêutica" mas nas preleções sobre dialética. Ainda aguardamos uma edição crítica da Dialética, que seja utilizável. O sentido normativo básico dos textos, aquilo que originariamente confere sentido ao esforço hermenêutico, em Schleiermacher encontra-se em segundo plano. Compreender é a repetição da produção originária de ideias, com base na congenialidade dos espíritos. O ensinamento de Schleiermacher tem como pano de fundo sua concepção metafísica da individualização da vida universal. Desse modo, destaca-se o papel da linguagem, e isso numa forma que superou radicalmente a limitação erudita ao escrito. A fundamentação da compreensão feita por Schleiermacher sobre a base do diálogo e do entendimento inter-humano significou no seu conjunto um aprofundamento dos fundamentos da hermenêutica, que no entanto acabou permitindo a edificação de um sistema científico com base hermenêutica. A hermenêutica tornou-se a base de todas as ciências históricas do espírito e não só da teologia. Desaparece então o pressuposto dogmático do caráter "paradigmático" do texto, sob o qual a atividade hermenêutica, tanto a do teólogo como a do filólogo humanista [99] (para não falar do jurista), tinha a função originária de mediação. Com isso liberou-se o caminho para o historicismo. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 8.

A consciência de não podermos dizer que somos os últimos a quem se dirige a palavra de Deus vem unida com esse prestar ouvidos. Mas disso segue-se que "podemos e devemos permitir que nos sejam indicados nossos limites históricos, tal como tomam forma na nossa compreensão histórica de mundo. Com isso, recebemos a mesma tarefa que vale de há muito para a auto-reflexão da fé. É uma tarefa que partilhamos também com os autores do Novo Testamento". Desse modo, Fuchs   ganha uma nova base hermenêutica, que pode ser legitimada a partir da própria ciência neotestamentária. O anúncio da palavra de Deus é uma tradução das proposições do Novo Testamento, cuja justificação é a teologia. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 27.

Mas ainda mais importante que isso seria uma análise de Platão   como objeto de reflexão hermenêutica. A obra de arte dialógica contida nos escritos de Platão ocupa um lugar peculiar, no centro, entre a multiplicidade das máscaras da poesia dramática e a autenticidade do escrito doutrinário. Nesse sentido, os últimos decênios contribuíram para a formação de uma consciência hermenêutica mais elevada. O próprio Strauss surpreende, em seus trabalhos, com muitas mostras de brilhante decifração das relações de significado ocultas no decurso dos diálogos platônicos. Por mais que tenham nos ajudado a análise formal   e outros métodos filológicos, a verdadeira base hermenêutica é a nossa própria relação com os problemas temáticos de que trata Platão. Mesmo a ironia artística de Platão (como qualquer ironia) só pode ser compreendida por quem está por dentro dos temas que ele trata. A consequência é que essas interpretações decifradoras permanecem "inseguras". Sua "verdade" não pode ser demonstrada "objetivamente", a não ser a partir daquele acordo temático que nos liga com o texto interpretado. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 27.