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Gadamer (VM): arte da hermenêutica

quarta-feira 24 de janeiro de 2024, por Cardoso de Castro

Obviamente, que Schleiermacher   não é o primeiro a restringir a tarefa da hermenêutica nisso, em tornar compreensível aquilo que é intensionado por outros em discursos e textos. A arte da hermenêutica não tem sido nunca o organon   da investigação da coisa em causa. Isso distinguiu-a desde o início do que Schleiermacher denomina dialética. Entretanto, sempre que alguém se esforça por compreender — por exemplo, a Escritura Sagrada ou os clássicos — está operando, indiretamente, uma referência à verdade que está oculta no texto e que deve chegar à luz. O que se deve compreender, na realidade, não é uma ideia, enquanto um momento vital, mas enquanto uma verdade. Este é o motivo por que a hermenêutica possui uma função auxiliar e permanece subordinada à investigação da coisa em causa. Também Schleiermacher leva isso em conta, desde o momento em que relaciona a hermenêutica por princípio — no sistema das ciências — à dialética. 1005 VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.

Decerto, a ideia aristotélica de uma filosofia prática não sobreviveu em sua globalidade, mas apenas em seu aspecto político. A filosofia prática política foi se aproximando do conceito de uma técnica ao pretender oferecer uma espécie de competência de base filosófica ao serviço da razão legisladora. Esse esquema pôde integrar-se ainda, durante um período, no pensamento científico da época moderna. A filosofia moral   grega, ao contrário, marcou a posteridade e sobretudo a Idade Moderna não tanto em sua forma aristotélica mas em sua versão estóica. Mesmo assim, a retórica de Aristóteles exerceu pouca influência na tradição da retórica antiga. Para os mestres da retórica e como guia para uma oratória perfeita era demasiado filosófica. Mas justamente em virtude de seu "caráter filosófico", que a associava, como disse Aristóteles, à dialética e à ética (peri ta ethe pragmateia, Thet. 1356 a26), encontrou seu novo momento na época do humanismo e da Reforma. Interessa-nos conhecer aqui o uso que os reformadores e sobretudo Melanchton fizeram da retórica aristotélica. Essa passou da arte de "fazer" discursos para a arte de acompanhar um discurso, compreendendo-o, quer dizer, passou para a arte da hermenêutica. Aqui confluíram duas correntes: A nova escrita e a nova leitura, iniciadas com a invenção da imprensa, e a virada teológica da Reforma frente à tradição e na direção do princípio bíblico. O lugar central da Sagrada Escritura para o anúncio do Evangelho determinou sua tradução para as línguas vernáculas, e também a doutrina do sacerdócio geral suscitou um uso da Escritura que precisava de uma nova direção. Pois, quando os leitores da Sagrada Escritura eram leigos, já não se tratava de pessoas instruídas na leitura por tradições artesanais de certas profissões nem dispunham de preleções discursivas que lhes facilitassem a compreensão. O leitor não encontra ajuda na impressionante retórica do jurista nem na do pastor de almas, nem na do literato. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 22.