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Gadamer (VM): acontecimento ôntico

quarta-feira 24 de janeiro de 2024, por Cardoso de Castro

Na realidade, o conceito da decoração tem de ser liberado dessa oposição ao conceito da arte vivencial e encontrar seu fundamento na estrutura ontológica da representação, que já elaboramos como modo de ser da obra de arte. Bastará recordar que o adorno, o decorativo são, por seu sentido originário, o belo como tal. Vale a pena reconstruir esse antigo conhecimento. Tudo o que é adorno, e adorna, está determinado pela sua relação com o que ele adorna, com aquilo em que ele é, com aquilo que é seu portador. Não possui um conteúdo estético próprio, o qual somente a posteriori receberia um condicionamento restritivo através da relação para com seu portador. Inclusive Kant  , que pode ter alentado essa opinião  , leva em conta, na sua conhecida assertiva contra as tatuagens, que um adorno só é tal, quando é conveniente ao portador e lhe cai bem. Forma parte do gosto, não somente que se saiba apreciar que algo é bonito em si, mas também que se saiba o âmbito onde ele pertence e onde não. O adorno não é primeiramente uma coisa para si, que mais tarde se acrescenta a uma outra, mas pertence ao representar-se de seu portador. Do adorno tem-se de dizer também, que pertence à representação; a representação, porém, é um acontecimento ôntico, é re-presentação. Um adorno, um ornamento, uma plástica colocada num local preferencial são re-presentativos no mesmo sentido em que o é, por exemplo, a própria igreja em que foram feitos. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.

O conceito do decorativo torna-se, pois, apropriado para arredondar o nosso questionamento do modo de ser do estético. Mais tarde veremos que a recuperação do velho sentido transcendental   do belo é aconselhável também a partir de outro ponto de vista distinto. Seja qual for o caso, o que queremos dizer, sob o termo "representação", é um momento universal e ontológico da estrutura do estético, um acontecimento ôntico, e não, por exemplo, um acontecimento vivencial que aconteceria no momento da criação artística e que apenas seria repetida pelo ânimo que a recebe em cada caso. Ao final do sentido [165] universal do jogo tínhamos reconhecido o sentido ontológico da representação no fato de que a "re-produção" é o modo de ser originário da própria arte original. Agora está confirmado que também a imagem pictórica e as artes estatuárias no seu todo possuem, ontologicamente falando, o mesmo modo de ser. A presença específica da obra de arte é um vir-à-representação do ser. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.