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Gadamer (VM): Plutarco

quarta-feira 24 de janeiro de 2024, por Cardoso de Castro

Salta à vista a escassa clareza que tem, aqui, a relação entre experimentar, reter e a unidade da experiência que produziriam ambas as coisas. Evidentemente Aristóteles se apoia aqui num raciocínio que em seu tempo já possuía uma certa [357] cunhagem clássica. O testemunho mais antigo que nos chegou dele é de Anaxágoras  , de quem Plutarco nos transmitiu, que o que caracteriza o homem face aos animais se determinaria por empeiria  , mneme  , sophia   e techne  . Um nexo parecido surge quando Esquilo destaca, no Prometeu, o papel da mneme, e ainda que sintamos falta de uma ênfase correspondente no mito platônico de Protágoras  , Platão mostra, tal como Aristóteles, que isso já é, naquele momento, uma teoria firmada. A permanência de percepções importantes (mone) é claramente o motivo vinculante, através do qual o saber do geral pode elevar-se acima da experiência do individual. Nisso, encontram-se próximos do homem todos os animais que possuem mneme nesse sentido, ou seja, que têm sentido para o passado e o tempo. Precisaria de uma investigação própria para descobrir até que ponto já poderia ser operante o nexo entre retenção (mneme) e linguagem, nessa teoria primitiva da experiência, cujas pegadas estamos rastreando. Pois é claro que a aprendizagem de nomes e da fala acompanha essa aquisição de conceitos gerais, e Temístio ilustra a análise aristotélica da indução diretamente com o exemplo do aprender a falar e da formação das palavras. Seja como for, o que importa é reter que a generalidade da experiência, de que fala Aristóteles, não é a generalidade do conceito nem da ciência. (O círculo de problemas a que nos remete essa teoria poderia ser a da idéia sofistica da formação, pois em todos os nossos testemunhos se detecta uma conexão entre a caracterização do homem, de que se trata, e a organização geral da natureza. E é precisamente esse motivo da confrontação do homem e do animal o que constitui o ponto de partida natural do ideal   da formação sofística.) A experiência somente se dá de maneira atual nas observações individuais. Não se pode conhecê-la numa generalidade precedente. Nisso justamente se estriba a abertura básica da experiência para qualquer nova experiência — isso não somente no sentido geral da correção dos erros, mas ao fato de que a experiência está essencialmente dependente de constante confirmação, e, quando esta falta, ela se converte necessariamente em outra diferente (ubi reperitur instantia contradictoria). VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.

Para uma maior concreção convém recordarmos a mudança que sofreu o ideal do historiador entre o século XVIII e XIX. Refiro-me à passagem de Plutarco, da Grécia tardia, autor de Vidas paralelas, esse paralelismo de biografias de grandes personagens que transmitiram para o século XVIII um grande espetáculo   de experiência moral  . De Plutarco, passamos para um outro grande historiador dos gregos, em certos aspectos superior, chamado Tucídides, que com sua atitude crítica diante das narrativas de seus contemporâneos, seu exame escrupuloso dos preconceitos nos testemunhos e sobretudo com a imparcialidade quase sobre-humana de sua obra histórica se nos apresenta como um herói epônimo da história crítica moderna. VERDADE E METODO II OUTROS 23.

É verdade que a historiografía de um Heródoto, e mesmo a de um Plutarco, por exemplo, sabe descrever muito bem as alternâncias da historia humana, como um acervo de exemplos morais, sem refletir pura e simplesmente sobre a historicidade do próprio presente e a historicidade da existência (Dasein  ) humana. O paradigma das ordenações cósmicas, onde tudo que se desvirtua da norma e que é contrário à norma acaba desvanecendo-se e sendo reassumido no grande equilíbrio do curso da natureza, pode descrever também o curso das coisas humanas. A melhor ordenação das coisas, o estado ideal, é na idéia uma ordenação que dura tanto quanto o universo, e mesmo que uma realização da mesma não consiga perdurar e acabe dando lugar a uma nova confusão e desordem (o que chamamos de história), isto é conseqüência de um erro de cálculo da razão que conhece o que é justo. A ordenação justa não tem história. História é história de decadência e, em todo caso, restabelecimento da ordenação justa. VERDADE E METODO II ANEXOS 27.