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O caráter oculto da saúde.

Gadamer (1993:C1) – da episteme à ciência

Teoria, técnica, prática

sábado 5 de dezembro de 2020, por Cardoso de Castro

Galileu  , por exemplo, não descobriu o limite da queda livre através da experiência, mas, como ele mesmo afirma: mente concipio, quer dizer, eu concebo-a em minha mente. Aquilo que Galileu concebeu dessa maneira, como a ideia da queda livre, não foi, de fato, um objeto da experiência. O vácuo não existe na natureza.

Antônio Luz Costa

Deve-se esclarecer o completo alcance daquilo que, com as ciências empíricas e as ideias sobre método, se colocou ao mundo. Quando se diferencia “a ciência” do saber geral de outrora, que vinha de uma herança antiga e dominava até a Alta Idade Média, vê-se que tanto o conceito de teoria como o de práxis sofreram, ambos, alterações. O uso do saber na práxis naturalmente sempre existiu, tanto que se denominava “ciências e artes” (epistemai e technai). A “ciência”, em geral, era apenas a elevação extrema do saber, o qual guiava a práxis. Mas ela entendia a si mesma como uma pura theoria  , quer dizer, como um saber procurado como valor em si mesmo e não pelo seu significado prático. Foi precisamente a partir desse entendimento que se intensificou, primeiro, quer dizer, na ideia grega de ciência, a relação com a práxis como problema. Enquanto o saber matemático dos geômetras egípcios ou mesmo dos astrônomos babilônicos nada mais foi do que um tesouro de sabedoria, que se tinha reunido da práxis para a práxis, os gregos transformaram esse ser-capaz-de-fazer e saber em um saber de causas e, com isso, em um saber demonstrável, do qual as pessoas desfrutavam em virtude de seu próprio sentido, levadas, por assim dizer, por uma curiosidade originária. Dessa maneira, surgiu a ciência grega, tanto a matemática como também o movimento iluminista da filosofia natural grega e, no mesmo espírito, apesar de toda a sua referência essencial à práxis, também a medicina grega. Assim, acontece, pela primeira vez, a dissociação da discussão sobre ciência e sobre sua aplicação prática, sobre teoria e práxis.

Contudo, é difícil comparar com isso a relação moderna de teoria e práxis, resultante da ideia de ciência do século XVII. Pois a ciência não é mais a essência do saber sobre o mundo e o ser humano, como havia sido elaborado e articulado, na forma comunicativa da linguagem, pela filosofia grega, seja ela como filosofia natural ou como filosofia prática. O fundamento da ciência moderna é, em um sentido totalmente novo, a experiência, já que, com a ideia do método unitário do conhecimento, como o formulou, por exemplo, Descartes   em suas “Regras”, o ideal   da certeza torna-se critério de todo o conhecimento. Como experiência é válido somente aquilo que é controlável. Assim, no século XVII, a própria experiência volta a se tornar uma instância de aprovação, da qual se permite aprovar ou refutar a validade de princípios matemáticos pré-delineados. Galileu  , por exemplo, não descobriu o limite da queda livre através da experiência, mas, como ele mesmo afirma: mente concipio, quer dizer, eu concebo-a em minha mente. Aquilo que Galileu concebeu dessa maneira, como a ideia da queda livre, não foi, de fato, um objeto da experiência. O vácuo não existe na natureza. Entretanto, o que ele reconheceu, exatamente através dessa abstração, foram princípios no interior da rede   de relações causais, que na experiência concreta se encontram entrelaçadas uma na outra sem a possibilidade do seu desemaranhamento. A mente, ao isolar cada relação e, com isso, medir e pesar sua parte exata, abre a possibilidade para que se possa, voluntariamente, introduzir fatores causais. De modo que não é insensato afirmar que a ciência natural moderna — salva do puro interesse   teórico que a estimula — não tem tanto em vista o saber enquanto ser-capaz-de-fazer, quer dizer, a práxis, de acordo com B. Croce em sua Logica et Practica. Parece-me, no entanto, mais certo afirmar que a ciência possibilita um saber direcionado a uma capacidade de fazer, um domínio sabedor da natureza, quer dizer, a técnica. E isso não é exatamente práxis, pois não é um saber obtido como soma de diversas experiências da prática de situações da vida e de circunstâncias de ações, mas trata-se de um saber, que, por seu lado, possibilita, antes, uma nova e específica relação de práxis, a saber, aquela da aplicação construtivista. Pertence à metodologia do seu procedimento realizar, em todas as áreas, a abstração que isole cada uma das relações causais. Com isso, ela tem de considerar a inevitável particularidade de sua competência. Porém, o que, com isso, entrou na vida foi “a ciência”, trazendo consigo um novo conceito de teoria e de práxis. Esse é um grande acontecimento na história da humanidade, que conferiu à ciência um novo perfil social e político.

Marianne Dautrey

Il faut clairement se représenter toute la portée de ce que les sciences expérimentales et l’idée de méthode, qui est à leur origine, ont fait naître. Si l’on distingue la « science » du savoir général d’autrefois, lequel découlait de l’héritage de l’Antiquité et resta dominant jusqu’au haut Moyen Âge, il apparaît que le concept de théorie comme celui de pratique se sont, tous deux, fondamentalement modifiés. Naturellement il y a toujours eu une application de la science à la pratique. Ainsi, on parlait même des « sciences et des arts » (epistemai et technai). La « science » n’était jamais que le stade suprême du savoir, et le savoir, quant à lui, servait de guide dans la pratique. Cependant la science se comprenait elle-même comme pure theoria, c’est-à-dire comme un savoir qu’il convenait de rechercher pour lui-même et non pour sa signification pratique. Ainsi, justement, ce fut d’abord là, c’est-à-dire dans l’idée grecque de science que le [15] rapport à la pratique, en se radicalisant, est devenu un problème. Alors que le savoir mathématique des géomètres égyptiens ou des astronomes babyloniens n’était lui-même absolument rien d’autre qu’un trésor de savoirs, qui s’étaient accumulés à partir de la pratique et en vue de la pratique, les Grecs, eux, transformèrent ce savoir-faire et ce savoir en un savoir découlant de principes et, par là même, en un savoir démontrable dont on savait jouir pour ainsi dire pour lui-même mais aussi parce que l’on était porté par une curiosité naturelle pour le monde. C’est ainsi que naquit la science grecque, la mathématique, les Lumières de la philosophie   de la nature grecque, mais aussi la médecine grecque qui, en dépit de son rapport essentiel à la pratique, procède du même esprit. Ainsi pour la première fois, la science et son application, la théorie et la pratique, se dissocièrent.

Cependant, on ne peut guère comparer ce rapport avec celui qui existe de nos jours entre la science et la pratique, lequel est ressorti de l’idée de science du XVIIe siècle. Car, dès ce moment-là, la science a cessé d’embrasser la totalité du savoir relatif au monde et à l’homme telle que la philosophie grecque, soit en tant que philosophie de la nature, soit en tant que philosophie pratique, l’avait élaborée et articulée dans une langue qui lui donnait une forme propre à être communiquée. Le fondement de la science moderne devint, dans un sens entièrement nouveau, l’expérience. En effet, l’idée selon laquelle il existerait une seule et unique méthode pour l’ensemble de la connaissance, idée que Descartes a formulée, par exemple, dans ses Règles, a fait de l’idéal de la certitude la mesure de toute connaissance. Ne peut valoir comme expérience que ce qui est contrôlable. En contrepartie, l’expérience devint, au XVIIe siècle, une instance de vérification à l’aune de laquelle la valeur d’une légalité, déterminée a priori   par les mathématiques, peut être soit confirmée, soit infirmée. En effet, Galilée n’est pas parvenu à la notion de limite de la chute libre à partir de l’expérience mais, comme il le dit lui-même, « mente concipio », ce qui signifie : « je conçois dans mon esprit ». Et il est vrai que ce que Galilée a ainsi conçu, à savoir, ici en l’occurrence, l’idée de la chute libre, n’était pas un objet de l’expérience. Le vide n’existe pas dans la nature. Mais ce qu’il identifia précisément à travers cette abstraction était [16] un système de lois à l’intérieur d’un entrelacs de relations causales inextricablement intriquées entre elles dans l’expérience concrète. L’esprit, en isolant les relations singulières et déterminant ainsi, par la mesure et l’estimation, leur rôle exact, crée la possibilité de faire délibérément intervenir des facteurs d’ordre causal. Aussi n’est-il pas absurde de dire que la science moderne de la nature — nonobstant l’intérêt purement théorique qui l’anime — n’est pas tant un savoir qu’un savoir-faire, c’est-à-dire une pratique, ainsi que l’affirme B. Croce dans sa Logica et Pratica. Il me semblerait plus juste, il est vrai, de dire que la science rend possible un savoir orienté vers un pouvoir-faire, une maîtrise savante de la nature, autrement dit, une technique, ce qui n’est pas précisément de la pratique. Car une technique n’est pas un savoir que l’on acquiert et que l’on accumule, comme on le fait de l’expérience qui découle de la pratique des situations existentielles et des contextes dans lesquels s’inscrit l’action, mais c’est un savoir qui, pour sa part, rend d’abord possible un rapport à la pratique d’un genre spécifiquement nouveau et qui est celui de l’application constructive. Sa démarche méthodologique revient à réaliser partout l’abstraction qui consiste à isoler des relations causales singulières. Il lui faut ainsi accepter la spécificité rigoureuse de sa compétence. Ainsi, ce qui vint au monde avec l’avènement de ce nouveau savoir fut la « science », et cette dernière entraîna avec elle l’apparition d’un nouveau concept de théorie ainsi que de pratique. Ce fut là un véritable événement dans l’histoire de l’humanité, événement qui conféra à la science une nouvelle dimension sociale et politique.


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