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Fuchs (2018:35-39) – uma concepção corporificada e ecológica das emoções

sexta-feira 2 de fevereiro de 2024, por Cardoso de Castro

Agora reunimos os componentes necessários, que eu gostaria de integrar a um modelo corporificado e ecológico das emoções:

1. Emoções se mostram como formas específicas de um estar corporalmente dirigido de um sujeito para qualidades e valências afetivas de uma dada situação. Elas abarcam sujeito e situação e não têm como ser localizadas na pessoa, nem em sua psyche   nem em seu cérebro. Ao contrário, o sujeito sentimentalmente afetado se acha engajado em um mundo circundante, que apresenta qualidades afetivas. Na vergonha, por exemplo, vivencia-se uma situação constrangedora e os olhares depreciativos dos outros são sentidos como uma afecção corporal dolorosa e corrosiva; este é o modo, no qual o sujeito sente ele mesmo a desvalorização diante dos outros. A vergonha estende-se para além da pessoa que sente, para além de seu corpo tanto quanto da situação como um todo.

2. Emoções envolvem dois componentes da ressonância corporal:

• Um componente centrípeto ou “afetivo”, isto é, se é afetado, “movido” ou “tocado” por um acontecimento, e, em verdade, por meio de sensações corporais diversas (por exemplo, o corar e o arder de vergonha);

• Um componente “centrífugo” ou “emotivo”, isto é, uma prontidão para a ação com tendências e direções específicas para o movimento (por exemplo, na vergonha a tendência para evitar o olhar dos outros, para se esconder, “para se enterrar no chão”). “In emotions, we are moved to move” (Sheets-Johnstone 1999).

3. Sobre esta base, sentimentos podem ser compreendidos como interações circulares ou como laços de feedback entre um componente centrípeto-afetivo e um componente centrífugo-emotivo, em suma, entre “afecção” e “emoção” (cf. esquema 1). Ser afetado pelos valores, valências ou qualidades afetivas de uma situação, ou seja, ser tocado por eles, desencadeia uma ressonância corporal (“afecção”), que, inversamente, influencia a percepção emocional da situação e envolve uma prontidão correspondente para a ação (“e-motion”). O sentimento (ou a intencionalidade afetiva) consiste no acontecimento circular interativo conjunto, que é mediado pela ressonância do corpo que sente.

(Esquema 1)

4. A ressonância corporal atua, com isto, como meio de nosso ser tocado afetivamente por uma situação. Ela penetra, matiza ou dá o tom da percepção da situação, com certeza sem aparecer incondicionadamente ela mesma no primeiro plano. Nos conceitos de Polanyi (1967), a ressonância corporal pode ser concebida como o componente próximo, enquanto a situação percebida aparece como o componente distante da intencionalidade afetiva, por mais que os componentes próximos ganhem o pano de fundo da consciência em favor dos componentes distantes. Pode-se comparar isto com o sentido tátil, que representa ao mesmo tempo uma sensação de si do corpo vital (próxima) e uma sensação da superfície tocada (distante); ou se pode compará-lo com a situação de um homem, que ainda se acha subliminarmente sedento (próximo), mas só nota seu estado pela primeira vez, quando um riachocque corre na proximidade chama a sua atenção particularmente (distante).

5. Se a ressonância ou a interpelabilidade do corpo vital é modificada de uma determinada maneira, isto influencia de maneira corresponde e pelas razões citadas a afecção ou a percepção afetiva de uma pessoa. Esta é a base comum dos estudos sobre corporificação e sentimentos, que eu apresentei no começo. Assim, uma falta de ressonância (por exemplo, depois da injeção de Botulinum-Toxina nos músculos da testa) prejudica a percepção afetiva correspondente. Ao contrário, uma determinada sensação corporal (por exemplo, ter na mão uma taça de café quente), ou a realização de determinados movimentos, também favorece a percepção afetiva que lhe é pertinente. Nós vemos, que os diversos componentes do círculo sentimental da afecção, intenção e emoção se influenciam mutuamente.


Ver online : Thomas Fuchs


FUCHS, Thomas. Para uma psiquiatria fenomenológica: Ensaios e conferências sobre as bases antropológicas da doença psíquica, memória corporal e si mesmo ecológico. Tr. Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Via Verita, 2018