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Ernildo Stein (2015:111-112) – entender e compreender

segunda-feira 4 de dezembro de 2023, por Cardoso de Castro

Afirmamos certa vez, num trabalho, que não podemos dizer as mesmas coisas com outras palavras. Tratamos aí da impossibilidade de uma sinonímia perfeita. Se não podemos dizer as mesmas coisas com outras palavras, nunca pararemos com a análise. Então, deve haver outro modo de chegar ao limite, ao que organiza, e esse elemento sempre depende da pré-compreensão, o elemento a priori   que denominamos de hermenêutico. O enunciado é possível porque estamos no mundo, que tem uma dupla estrutura, o mundo em que habita a linguagem. Esta possui uma dupla estrutura que nos preserva do raso e faz com que nos compreendamos já sempre, ainda sem nos apontar como objetos, quando nos compreendemos no mundo.

Posso me separar dos objetos pelo modo como sou pela linguagem. Faço enunciados sobre algo e neles me compreendo sempre num modo prático no qual estou referido a mim. A ontologia fundamental, a analítica existencial, movimenta-se nesse nível, num nível em que nos pressupomos quando enunciamos algo.

A lógica tem razão: o enunciado é a maior conquista do ser humano. Se não soubéssemos dominar a sintaxe, fazer enunciados, seríamos pobres em mundo, não seríamos mais humanos. Para fazer esses enunciados, porém, nós pressupomos o elemento a priori da dupla estrutura. Se tivermos essa dimensão hermenêutica presente, podemos dizer que aí estão as estruturas prévias daquilo que é condição de possibilidade de enunciados.

[112] Voltando ao começo, é possível afirmar que traduzir Verstehen   ou por entender ou por compreender introduz uma grande diferença. O entender se dá no nível do enunciado, move-se no raso do enunciado. Temos, assim, a analítica da linguagem. Já o compreender está ligado à estrutura profunda da linguagem, pela qual torna-se possível o enunciado.

Em síntese, o compreender está ligado a um modo de ser do homem. Este somente se torna possível enquanto compreende a si mesmo como sendo, tendo de ser e, assim, compreende o ser. A compreensão do ser se dá como a priori, num mundo, e somente por ela somos levados a entender os enunciados. Heidegger afirma: “Tão finitos somos nós que precisamos do conceito de ser para pensar”. Não pensamos, não nos entendemos na linguagem sem operarmos com o conceito de ser. O entender de enunciados, de razões, depende, portanto, de nosso modo prático de ser, em que nos compreendemos antecipadamente. Isso é a pré-compreensão com que envolvemos o todo de nosso falar e entender.

Pré-compreensão toa priori que condiciona e limita nossos enunciados. Toda analítica da linguagem repetirá enunciados sobre enunciados ao infinito, quando não reconhece o compreender e quer fazer predominar o entender.

O trabalho com a linguagem não é infinito, ele bate nos limites do que acontece quando nos compreendemos enquanto somos e nos assumimos como tendo de ser sempre no mundo onde somos. Este mundo, entretanto, não é o mundo raso que Wittgenstein   afirma ser o limite da linguagem. O mundo em que somos é o como nos compreendemos para sermos aptos para os enunciados do entender. Mundo, portanto, não é “o que é o caso” (Wittgenstein), mas o mundo é antecipação de sentido, onde o ser humano “é formador de mundo” (Heidegger). Sem este, o primeiro mundo não teria onde cair, “ser o caso”. E por isso que a analítica do entender necessita da hermenêutica do compreender.


Ver online : Ernildo Stein


STEIN, Ernildo. Pensar e Errar. Um Ajuste com Heidegger. Ijuí: Editora Unijuí, 2015, p. 111-112