Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Ernildo Stein (2001:26-28) – ser-verdade como ser-descoberto

sábado 2 de dezembro de 2023

Heidegger inicia o decisivo parágrafo 44, que encerra a primeira seção com a discussão do problema da verdade dentro da analítica existencial. Mostra primeiro como a “filosofia desde a antiguidade sempre uniu entre si verdade e ser”. [SZ  :212] Em Aristóteles   a filosofia é a ciência da verdade e a ciência que estuda o ente enquanto ente. [SZ:213] “Se a verdade se acha, de direito, numa relação original com o ser, então o fenômeno da verdade se inscreve no horizonte da problemática da ontologia fundamental”. [SZ:213]

Desse modo, Heidegger insere a análise da verdade no plano de sua ontologia fundamental, da analítica existencial. Analisa “o conceito tradicional da verdade e seus fundamentos ontológicos”, [27] concluindo “que para a manifestação da verdade se trata somente do ser-descoberto do próprio ente conforme o modo de seu ser descoberto”. [SZ:218]

A enunciação é verdadeira, quer, então, dizer: descobre o ente em si mesmo. Enuncia, mostra, “faz ver” (apophansis  ) o ente em seu ser-descoberto. O ser-verdadeiro (a verdade) do enunciado deve ser compreendido como ser-aquilo-que-descobre. Assim, então, a verdade não tem, de nenhum modo, a estrutura de uma conformidade (adequação) entre o conhecimento e o objeto no sentido da adequação de um ente (o sujeito) a um outro (o objeto). [SZ:218-219]

E Heidegger tira disso a consequência: “Por sua vez, o ser-verdade como ser-descoberto só é ontologicamente possível quando fundamentado no ser-no-mundo. Esse fenômeno, no qual reconhecemos a constituição fundamental do ser-aí, é o fundamento do fenômeno original da verdade”. [SZ:219]

Então, Heidegger passa para a análise do “fenômeno original da verdade e da natureza derivada do conceito tradicional da verdade”, mostrando que, já na palavra aletheia  , enquanto desvelamento, se manifesta o sentido do descobrir, tirar do velamento. “A aletheia significa as ‘coisas em si mesmas’, aquilo que se mostra, o ente conforme seu modo de ser-descoberto”. [SZ:219] Mas, “a definição da verdade como ser-descoberto e ser-aquilo-que-descobre não surge apenas de uma simples explicação oral, ela resulta da análise do comportamento do ser-aí que se costuma chamar primeiramente verdadeiro”. [SZ:220] “Os fundamentos ontológico-existenciais do descobrir manifestam o fenômeno mais original da verdade” [SZ:220].

Heidegger mostra, então, que descobrir é um modo de ser do ser-aí. A preocupação previdente descobre o ente intramundano. Assim, ele se torna descoberto. Assim, ele é “verdadeiro” em sentido segundo. O ser-aí é “verdadeiro” no sentido primário. “Verdade, no segundo sentido, não significa ser-o-que-descobre (descobrimento) mas, ser-descoberto (descoberta)”. [SZ:220]

O filósofo mostrara, em análises anteriores, que o ente intramundano se funda sobre a revelação do mundo. “Ora, a revelação é o modo de ser fundamental do ser-aí conforme o qual ele é [28] seu ‘aí’. A revelação é constituída pelo sentimento de situação, pelo compreender e pelo discurso e concerne, originalmente, no mesmo grau, ao mundo, ao ser-em e à ipseidade”. [SZ:220] A estrutura da preocupação enquanto ser-adiante-de-si-mesmo — já-ser-no-mundo — ser-junto-de-entes-intramundanos traz em si a abertura e a revelação do ser-aí. Com ela e através dela se constitui o ser-descoberto. “Assim, se atinge, com a abertura e a revelação do ser-aí, o fenômeno mais originário da verdade”. [SZ:221] Todas as análises anteriores que Heidegger realizou são, portanto, explicitação do fenômeno originário da verdade. Toda a analítica das estruturas do ser-aí é uma análise da verdade.

‘‘Enquanto o ser-aí é essencialmente sua revelação, enquanto, como revelado, revela e descobre, ele é essencialmente ‘verdadeiro’. O ser-aí está ‘na verdade’. Esse enunciado tem um sentido ontológico. Ele não significa que, sobre o plano ôntico, o ser-aí sempre tenha estado iniciado ‘em toda verdade’, mas, que a revelação de seu ser inalienável está incluída na sua constituição existencial”. [SZ:221]

Portanto, ao ser-aí pertence a revelação em geral, como constituindo seu ser. Todo fenômeno da preocupação enquanto preocupação, projeto e decaída, está ligado à revelação. Mas, como ao ser-aí pertence autenticidade e inautenticidade e como o ser-aí tem, em sua estrutura, a decaída, o ser-aí é, simultaneamente, oclusão, fechamento. Assim, o ser-aí sempre está também na não-verdade.

[STEIN, E. Compreensão e Finitude. Ijuí: UNIJUÍ, 2001]


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