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Psicologia e Compreensão: Ideias Sobre uma Psicologia Descritiva e Analítica.

Dilthey (IPDC:84-85) – subsumir o vivido

domingo 17 de outubro de 2021

Excerto de DILTHEY  , Wilhelm. Psicologia e Compreensão: Ideias Sobre uma Psicologia Descritiva e Analítica. Tr. Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 2002, p. 84-85

O conhecimento da natureza converteu-se em ciência quando, no campo dos fenômenos dinâmicos, se conseguiu estabelecer equações entre causas e efeitos. Esta conexão da natureza segundo equações causais foi imposta ao nosso pensamento vivo pela ordem objectiva da natureza, representada nas percepções externas. A regra das mudanças de Heráclito  , as relações numéricas dos sons e das trajectórias dos astros dos Pitagóricos, a conservação da massa e a homogeneidade do universo de Anaxágoras  , a redução das mudanças qualitativas inapreensíveis do universo a relações quantitativas, o cálculo com os movimentos dos átomos sob o pressuposto da persistência de todo o movimento começado, segundo Demócrito   - todos estes primeiros passos de uma teoria geral da natureza nos mostram o espírito humano em actividade comprovativa, induzido pela constância e pela uniformidade da natureza. Os axiomas, que Kant   indica como nosso patrimônio a priori  , foram referidos à natureza a partir da conexão viva em nós. Na conexão racional dos fenômenos que assim surge, a lei, a constância, a uniformidade, as equações causais constituem a expressão das relações objectivas da natureza exterior. Pelo contrário, não obtivemos a conexão viva da alma com tentativas graduais. Esta conexão é a vida, que está aí anteriormente a todo o conhecimento. Vitalidade, historicidade, liberdade, desenvolvimento sãs as suas características. Se analisarmos esta conexão psíquica, nunca deparamos com algo coisal ou substancial, nada podemos compor com elementos, não há elementos isolados, pois estes são inseparáveis das funções. Mas, em geral, não temos consciência das funções. Deparamos com diferenças, graus, separações, sem termos [84] consciência dos processos que os estabeleceram. Isto elevou assim as dificuldades do problema gnoseológico do a priori. Não podemos avançar com identidades causais que estariam empiricamente fundadas; o conjunto causal, com que depara realmente a percepção interna, não regressa simplesmente no efeito.

Só em princípio podemos oferecer aqui outra demonstração de que não se pode transferir para a vida psíquica a conexão natural externa. A explicação racional do mundo não conduz a contradições só ao aplicá-las ao transcendente, como mostrou Kant de forma indiscutível, mas surgem também antinomias dentro da realidade, quando se tenta mostrá-la como transparente para o entendimento em todos os seus elementos e em toda a sua conexão. Estas antinomias são imanentes à realidade empírica, enquanto o entendimento procura mostrar a sua plena transparência lógica. Deve-se, em primeiro lugar, a que a nossa consciência do mundo, tal como a consciência de nós mesmos, brotou da vida do Si mesmo; mas esta é algo mais do que ratio. De tal são provas os conceitos de unidade, ipseidade, substância, causalidade. Outras antinomias devem-se a que não é possível reduzir uns aos outros factos de procedência distinta. A prova disso é a relação das grandezas espaciais, temporais e dinâmicas contínuas com o número. Com isto se liga o facto de que não é possível subsumir o vivido a partir de dentro em conceitos que foram desenvolvidos a propósito do mundo exterior, que nos é dado nos sentidos.


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