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A Origem da Obra de Arte [OOA]

Azevedo & de Castro (OOA:236-237) – Bewahrung (desvelo)

Notas de tradução

sábado 18 de novembro de 2023, por Cardoso de Castro

O vigor permanente da obra (verdade) como figura (a disputa de delimitação e vazio/nada) está aí para ser manifestado, operado. Mas tem que ser uma operação que deixe a obra ser obra. A esta operação que não impõe uma perspectiva nem uma vontade subjetiva nem objetiva, é que Heidegger denomina Bewahrung. Nós escolhemos uma palavra portuguesa aproximada, pois toda tradução é sempre um aproximar: desvelo.

Num primeiro momento é estranho que Heidegger, que vem de uma forte tradição hermenêutica, não tenha escolhido alguma palavra ligada diretamente a ela. Uma tal atitude provém tanto do entendimento novo da essência da arte como Ursprung   quanto do lugar do leitor interpretante em relação à obra de arte (Dichtung  /poiesis  ). Escolheu, por isso, Bewahrung. Palavra de tradução dificílima. Sem o vigor do pensamento que ele no contexto do ensaio imprime a essa palavra, a tradução literal perde todo o vigor em que ela está empregada aqui na referência figura/obra. Bewahrung diz o dicionário é: guarda, conservação, proteção. O vigor permanente da obra (verdade) como figura (a disputa de delimitação e vazio/nada) está aí para ser manifestado, operado. Mas tem que ser uma operação que deixe a obra ser obra. A esta operação que não impõe uma perspectiva nem uma vontade subjetiva nem objetiva, é que Heidegger denomina Bewahrung. Nós escolhemos uma palavra portuguesa aproximada, pois toda tradução é sempre um aproximar: desvelo. Desvelo: grande cuidado, carinho, [237] vigilância, dedicação sem impor, deixando ser, aguardar o que é próprio e persiste, resguardar o deixar acontecer. Nela ressoa o cuidado e doação amorosa como ocorre, por exemplo, no desvelo da mãe para com o filho, o que pressupõe também no leitor o desvelo para com o que na obra Se dá, presenteia. Há aí uma doação amorosa de gratuidade e presença silenciosa. Heidegger no ensaio “O caminho do campo” refere-se a este desvelo da mãe que olha o filho brincando, sem se fazer ausente e a ele sempre amorosamente ligada e atenta. Nesse desvelo a criança é assim como a obra é, operar do ser, como o filho é o operar da mãe/Terra. Felizmente, em português ainda ressoa em desvelo não só a intensidade do velar o que é digno de ser velado e cuidado, mas, ao mesmo tempo, a intensidade no deixar ser, isto é, o deixar eclodir no que é, no desvelamento. O prefixo português des- tem tanto o sentido negativo-afirmativo como intensificativo. Em relação ao diá-logo com a obra de arte, os dois sentidos se completam. Isto porque o desvelo só é desvelo se for vigente no e como diá-logo (o entre do logos  , como o entre-do-ser). Desvelamento é a realidade se dando como verdade no ser-humano, pelo qual ele respondendo e correspondendo a esse apelo de poiesis/linguagem/logos chega a ser o que é historicamente, isto é, no acontecer poético-apropriante (Ereignis  ). O que exercita o desvelo traduzimos por o desvelante. O leitor é o desvelante. O radical de velar nos remete para um cuidado, como no substantivo velório. Mas o que no velório se vela não é o morto, mas o mistério da morte que se faz presente no morto. Essa ambiguidade está em Bewahrung, em Desvelo.


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