Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Schuback (1999:8-9) – imaginação

terça-feira 6 de junho de 2023

No tempo da interpretação, a conversa entre criadores de tempos distantes, distintos e impossíveis de serem alcançados cronologicamente não deve ser entendida como uma conversa imaginária, mas como imaginação. A imaginação não é uma fraqueza do entendimento, que começa onde acaba o entendimento e as suas ciências, dentre elas a ciência historiográfica. O exercício do entendimento, a fundamentação de toda ciência depende da imaginação em momentos decisivos. O traço mais comum que se pode encontrar entre a ciência matemática e a ciência histórica não é tanto o ideal de exatidão, mas a imaginação de um mundo exato, de um mundo dos fatos, capaz de atravessar incólume todo o oscilar das interpretações e prescindir de todo testemunho. Nesse sentido, a pretensão de que o entendimento nada possui de imaginação talvez seja a única grande fraqueza do entendimento. E como toda fraqueza quer sempre esconder-se, a ciência, com seu ideal de exatidão, finge não ser imaginação a imaginação que deveras a sustenta. Com relação à história, a exigência de fatos, datas e objetividade parece muitas vezes ainda maior e rigorosa porque seu objeto é precisamente o testemunho. A história, na verdade, jamais se deixa provar inteiramente, pois toda fonte, todo texto, todo manuscrito e peça arqueológicos estão sempre a contar inúmeras histórias ao mesmo tempo. Cada testemunho é uma história, como ocorre com qualquer fato do cotidiano, um acidente na rua, diante do qual cada uma das testemunhas ali presente contará sempre uma versão diferente. Provar alguma coisa não é muito difícil. Basta escolher as premissas e encontrar os meios. Difícil é ter uma convicção, é saber-se testemunho e testemunhar segundo a verdade dessa condição. Não há fato sem versão, não há dado sem imaginação e interpretação. Difícil é pois entender que em toda compreensão histórica opera sempre a imaginação, a possibilidade, um tempo em devir. Difícil é sobretudo admitir que tudo o que se compreende, ao contrário de alguma certeza, constitui simplesmente um aceno, que se deve seguir no sentido de uma outra compreensão. Sob essa luz, pode-se até mesmo afirmar que, em seu fundo, história é imaginação.


Ver online : Marcia Sá Cavalcante Schuback