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Lévinas (1990/2004:117-119) – o pensamento e o "aqui"
sexta-feira 16 de fevereiro de 2024
Paul Albert Simon
Essencialmente, e não pelo efeito de uma queda ou de uma degradação, o pensamento, que o idealismo nos habituou a situar fora do espaço, está aqui. O corpo excluído pela dúvida cartesiana é o corpo objeto. O cogito não chega à posição impessoal: “há pensamento”, mas à primeira pessoa do presente: “sou uma coisa que pensa”. A palavra “coisa” é aqui admiravelmente precisa. O mais profundo ensinamento do cogito cartesiano consiste exatamente em descobrir o pensamento como substância, isto é, como alguma coisa que se põe, o pensamento tem um ponto de partida. Não se trata somente de uma consciência de localização, mas de uma localização da consciência — que não se transforma, por sua vez, em consciência, [84] em saber. Trata-se de alguma coisa que se distingue do saber; trata-se de uma condição. O saber do saber está igualmente aqui; ele sai de alguma maneira, de uma espessura material, de uma protuberância, de uma cabeça. O pensamento que se espalha instantaneamente no mundo conserva uma possibilidade de recolher-se no aqui de que ele nunca se separa. A consciência é precisamente o fato de que a afirmação impessoal e ininterrupta de “verdades eternas” pode tornar-se simplesmente um pensamento; isto é, pode, apesar de sua eternidade sem sono, começar ou acabar numa cabeça, acender-se ou apagar-se, escapar-se de si própria: a cabeça recai sobre os ombros — dormimos.
Possibilidade de dormir, que já é fornecida pelo próprio exercício do pensamento. Ele não é primeiramente pensamento e, depois, “aqui”; como pensamento, ele já está aqui, ao abrigo da eternidade e da universalidade. Localização que não pressupõe o espaço. Ela é absolutamente o contrário da objetividade. Ela não pressupõe atrás de si um pensamento que teria de apreender o aqui — nessa dialética pela qual começa a Fenomenologia de Hegel — e que é um aqui objetivo. A localização da consciência não é subjetiva, mas é a subjetivação do sujeito. A cintilação da consciência, sua retração no pleno, é, sem nenhuma referência ao espaço objetivo, o próprio fenômeno da localização e do sono — que é precisamente o acontecimento sem acontecimento, o acontecimento interior. O inconsciente como sono não é uma nova vida que se joga sob a vida: é uma participação da vida pela não-participação, pelo fato elementar de repousar.
original
La pensée que l’idéalisme nous a habitués à situer hors de l’espace est — essentiellement, et non pas par l’effet d’une chute ou d’une dégradation — ici. Le corps exclu par le doute cartésien, c’est le corps objet. Le cogito n’aboutit pas à l’impersonnelle position : « il y a de la pensée », mais à la première personne du présent : « je suis une chose qui pense ». Le mot chose est ici admirablement précis. Le plus profond enseignement du cogito cartésien consiste précisément à découvrir la pensée comme substance, c’est-à-dire comme quelque chose qui se pose. La pensée a un point de départ. Il ne s’agit pas seulement d’une conscience de localisation, mais d’une localisation de la conscience qui ne se résorbe pas à son tour en conscience, en savoir. Il s’agit de quelque chose qui tranche sur le savoir, d’une condition. Le savoir du savoir est également ici, il sort, en quelque manière, d’une épaisseur matérielle, d’une protubérance, [117] d’une tête. La pensée, qui se répand instantanément dans le monde, conserve une possibilité de se ramasser dans l’ici, dont elle n’est jamais détachée. La conscience est précisément le fait que l’impersonnelle et ininterrompue affirmation de « vérités éternelles » peut devenir simplement une pensée, c’est-à-dire peut, malgré son éternité sans sommeil, commencer ou finir dans une tête, s’allumer ou s’éteindre, s’échapper d’elle-même : la tête retombe sur les épaules — on dort.
Possibilité de dormir, qui est déjà fournie par l’exercice même de la pensée. Elle n’est pas d’abord pensée et ensuite ici ; en tant que pensée, elle est ici, déjà à l’abri de l’éternité et de l’universalité. Localisation qui ne suppose pas l’espace. Elle est tout le contraire de l’objectivité. Elle ne suppose pas une pensée derrière elle qui aurait à saisir l’ici — dans cette dialectique par laquelle commence la Phénoménologie de Hegel — et qui est un ici objectif. La localisation de la conscience n’est pas subjective, mais la subjectivation du sujet. Le scintillement de la conscience, son repli dans le plein, c’est, sans aucune référence à l’espace objectif, le phénomène même de la localisation et du sommeil, qui est précisément l’événement sans événement, l’événement intérieur. L’inconscient en tant que sommeil n’est pas une nouvelle vie qui se joue sous la vie : c’est une participation à la vie [118] par la non-participation, par le fait élémentaire de reposer.
[LÉVINAS, Emmanuel. De l’existence à l’existant. 2e éd. augm ed. Paris: J. Vrin, 1990]
[LÉVINAS, Emmanuel. Da Existência ao Existente. Tr. Paul Albert Simon. Campinas: Papirus, 1998]
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