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Hierophanie

quarta-feira 13 de novembro de 2024

Em que consiste a aparição do sacro que está na origem daquele projeto chamado civilização ocidental? Na oposição entre sujeito e objeto. A civilização ocidental se distingue de todos os demais projetos por essa dicotomia sujeito-objeto. Na hierofania que fundamenta a nossa civilização o sacro nos aparece como sujeito que se cerca de objeto. É “Deus” que cria “o mundo”. A história do Ocidente é uma explicitação das possibilidades contidas no projeto dessa dicotomia sujeito-objeto. Na expressão de Ferreira da Silva   é nossa civilização “sujeitiforme”. Analisando a hierofania fundamental podemos, com efeito, deduzir, numa espécie de profecia às avessas, todas as fases da história do Ocidente, prefiguradas como estão nessa hierofania. Em primeiro lugar podemos deduzir dessa hierofania o tipo de pensamento que regerá o Ocidente. Será o tipo lógico, consistirá de conceitos rigorosos. O sujeito, em sua oposição ao objeto, está para com este em relação de “trabalho”. Deus “criou” o mundo. Em consequência, o objeto deve ser manipulável, isto é, apreensível, concebível, apalpável. Deve consistir de conceitos. Esses conceitos devem possuir contornos rigorosos, silhuetas nítidas, devem ser definíveis. A ação definidora de conceitos. O sujeito se impõe, nessa ação, sobre aquilo que vai ser o seu objeto, recortando-o em conceitos bem definidos e bem adaptados ao seu trabalho. O “mundo” ocidental torna-se, graças a essa ação definidora, um mundo progressivamente concebível e concebido. No fim desse processo definidor teremos um mundo consistido totalmente de conceitos definidos, um mundo rigorosamente organizado, um sistema perfeito de conceitos nítidos e manipuláveis. O sujeito ter-se-á imposto totalmente ao mundo. O mundo será instrumento dócil do sujeito totalmente afastado desse mundo, colocado como estará na situação superior (“transcendente”) de manipulador do mundo. Um mundo assim totalmente objetivado já não terá mistério, não terá segredo. Será inteiramente elucidado. E o sujeito a ele oposto será inteiramente alienado dele, já que a ação definidora terá cortado todas as ligações misteriosas que unem o sujeito ao mundo. Terá surgido a época messiânica da total alienação do sujeito, a época da loucura perfeita portanto. Essa loucura sujeitiforme é, de acordo com a tese ferreiriana, a meta do pensamento ocidental, imposta sobre ele pelo nosso projeto. [FLUSSER  , V. Da Religiosidade. A literatura e o senso de realidade. São Paulo: Annablume, 2004, p. 119-120]