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Dufour-Kowalska (1996:39-40) – filosofia da imaginação

segunda-feira 2 de dezembro de 2024, por Cardoso de Castro

Com a determinação da subjetividade como temporalidade ek-estática, o princípio do conhecimento ontológico que determina todo o conhecimento de algo, o projeto filosófico de Heidegger em Kant   e o Problema da Metafísica [GA3  ] chega ao fim. Qual é, no entanto, o significado do projeto de Heidegger no que diz respeito ao conceito de imaginação? É isto que temos agora de examinar. E veremos que a imaginação, ao deixar de “cair no corpo”, como diz Alain, ao ser elevada ao cume da vida do espírito, não ganha assim uma essência. Pelo contrário, essa essência perde-se no decurso de um processo que pretende instituir a sua gênese, mas que é antes o processo da sua dissolução.

A filosofia da imaginação que surge em Kant   e o Problema da Metafísica [GA3  ] é original e, de fato, completamente nova. Pela primeira vez na história do pensamento ocidental, a imaginação é dotada de um estatuto ontológico; é a faculdade de ser, o princípio desse conhecimento do ente como ente que, segundo Heidegger, funda toda a experiência. Esta valorização surpreendente, sem precedentes na nossa história, da “louca da casa” parece, no entanto, singularmente problemática. Antes de mais, o filósofo de Freiburg im Breisgau merece algum crédito. Como bom fenomenólogo, liberta a imaginação de qualquer perspectiva empirista e dos seus problemas, como a origem sensível das imagens. Seguindo as pegadas de Kant  , considera a intuição e a imaginação de um ponto de vista transcendental, procurando as suas condições internas, independentemente de um objeto sentido ou imaginado, presente ou reapresentado: aponta-nos a direção de uma essência interna da sensibilidade e da imaginação. “No esquema transcendental, a imaginação tem uma função originalmente presentativa que se exerce através da forma pura do tempo. Aqui não tem qualquer necessidade de intuição empírica” [GA3FR  :190].

Depois de elevar a imaginação acima do mundo empírico, Heidegger pretende ir para além da própria ordem transcendental ao determinar a imaginação, não apenas como uma faculdade entre outras, mas como uma faculdade principial que domina e governa a intuição, bem como a compreensão, constituindo assim a raiz das duas linhagens kantianas de conhecimento. Heidegger confere assim à [40] imaginação e também à sensibilidade (na medida em que esta está envolvida no ato transcendental de imaginar, naquilo a que Heidegger chama visão) um privilégio tradicionalmente reservado ao intelecto. Entendidas, não como sensação sensorial ou simples representação mental (isto é, de um ponto de vista empírico), mas no seu sentido ontológico, como finalidade do ser do ente, a sensibilidade e a imaginação dominam a ordem do conhecimento abstrato e constituem a sua própria essência. A faculdade originária, o fundamento do conhecimento humano, já não é a razão pura, mas, como lhe chama Heidegger, uma “razão sensível pura”. “A sensibilidade da imaginação transcendental não pode, pois, ser tomada em consideração para a classificar entre as faculdades inferiores da alma, e tanto menos que, tomada como faculdade transcendental, deve ser a condição de possibilidade de todas as faculdades… A razão já não pode ser considerada uma faculdade ‘superior’” [GA3FR  :205].


Ver online : Gabrielle Dufour-Kowalska


DUFOUR-KOWALSKA, G. L’art et la sensibilité: de Kant à Michel Henry. Paris: J. Vrin, 1996