Só houve uma proposição ontológica: o Ser é unívoco. Só houve apenas uma ontologia, a de Duns Scot, que dá ao [75] ser uma só voz. Dizemos Duns Scot porque ele soube levar o ser unívoco ao mais elevado ponto de sutileza, mesmo que à custa de abstração. Mas, de Parmênides a Heidegger, a mesma voz é retomada num eco que forma por si só todo o desdobramento do unívoco. Uma só voz faz o clamor do ser. Não temos dificuldade em compreender que o Ser, embora seja absolutamente comum, nem por isso é um gênero; basta substituir o modelo do juízo pelo da proposição. Na proposição, tomada como entidade complexa, distingue-se: o sentido ou o exprimido pela proposição; o designado (o que se exprime na proposição); os expressantes ou designantes, que são modos numéricos, isto é, fatores diferenciais que caracterizam os elementos providos de sentido e de designação. Concebe-se que nomes ou proposições não tenham o mesmo sentido, mesmo quando designam estritamente a mesma coisa (como nos exemplos célebres: estrela da tarde — estrela da manhã, Israel-Jacó, tranco-branco). A distinção entre estes sentidos é uma distinção real (distinctio realis), mas nada tem de numérico, menos ainda de ontológico: é uma distinção formal, qualitativa ou semiológica. A questão de saber se as categorias são diretamente assimiláveis a tais sentidos ou se deles derivam, como é mais verossímil, deve ser deixada de lado por enquanto. O importante é que se possa conceber vários sentidos formalmente distintos, mas que se reportam ao ser como a um só designado, ontologicamente uno. É verdade que tal ponto de vista ainda não basta para nos impedir de considerar estes sentidos como análogos e esta unidade do ser como uma analogia. É preciso acrescentar que o ser, este designado comum, enquanto se exprime, se diz, por sua vez, num único sentido de todos os designantes ou expressantes numericamente distintos. Na proposição ontológica, portanto, não só o designado é ontologicamente o mesmo para sentidos qualitativamente distintos, mas também o sentido é ontologicamente o mesmo para modos individuantes, para designantes ou expressantes numericamente distintos: é esta a circulação na proposição ontológica (expressão em seu conjunto).
Com efeito, o essencial na univocidade não é que o Ser se diga num único sentido. É que ele se diga num único sentido de todas as suas diferenças individuantes ou modalidades intrínsecas. [76] O Ser é o mesmo para todas estas modalidades, mas estas modalidades não são as mesmas. Ele é “igual” para todas, mas elas mesmas não são iguais. Ele se diz num só sentido de todas, mas elas mesmas não têm o mesmo sentido. É da essência do ser unívoco reportar-se a diferenças individuantes, mas estas diferenças não têm a mesma essência e não variam a essência do ser — como o branco se reporta a intensidades diversas, mas permanece essencialmente o mesmo branco. Não há duas “vias”, como se acreditou no poema de Parmênides, mas uma só “voz” do Ser, que se reporta a todos os seus modos, os mais diversos, os mais variados, os mais diferenciados. O Ser se diz num único sentido de tudo aquilo de que ele se diz, mas aquilo de que ele se diz difere: ele se diz da própria diferença.