As várias características da temporalidade derivada manifestam um contraste com as características da temporalidade original. Não vamos catalogá-las. Vamos apenas enfatizar a novidade devastadora da invenção de Heidegger. Heidegger, de fato, inventa um novo tempo, ou melhor, um novo sentido de tempo. Nunca, jamais, se pensou no tempo dessa maneira. Heidegger pode se debruçar sobre toda a história da filosofia, mas não a encontrará, exceto por um breve momento, em um lugar muito estreito [1], e não sem violência, as premissas do que ele está procurando: o tempo mais próximo, o tempo que sempre escapa por um excesso de proximidade.
Então, o que é esse tempo? Não podemos dizer. Vamos apenas notar sua estranheza. Paradoxo sobre paradoxo. Esse tempo não é duração nem devir. Não é movimento nem algo de movimento, nem o número numerado nem o número de numeração. Ele ignora a mobilidade, a sucessão e a irreversibilidade. Não é infinito ou indefinido, não é linear nem circular. O agora não é mais sua âncora. O passado não é mais seu ser e sua fatalidade. O a-vir, ou melhor, o futuro, não é mais sua origem ou procedência. Finalmente, esse tempo não tem apenas uma dimensão, como diz Kant , nem três, como diz o senso comum, ele tem quatro: “O tempo autêntico”, escreve Heidegger, “é quadridimensional” [2].
Esta quarta dimensão é, na verdade, a primeira: a que comanda e atravessa as outras três. Essa dimensão é chamada de presença — Anwesen — uma palavra que nos leva de volta às primeiras páginas deste estudo.
Das Anwesen não pode se referir ao “puro agora”: das pure Jetzt. Tampouco Das Anwesen é aquela presença da qual já falamos: die Präsenz, ou seja, o horizonte não-estático de um dos três êxtases do tempo inicial: o do presente — die Gegenwart.
Livre da inércia de seu ser-simplesmente-aí, a palavra presença, em francês como em alemão, evoca uma aproximação. Ser significa ser-presente. Ser-presente significa "ser-junto"… A presença também é o advento ou a chegada de tudo o que pode vir, acontecer ou ocorrer. Vir é chegar ou vir ao mundo. Chegar é aproximar-se da margem da existência. Produzir-se, como dizemos que um ator se produz em público. As únicas coisas que estão realmente presentes, então, são aquelas que, como dizemos tão fortemente, fazem ato de presença. Elas não apenas constituem essa presença, elas a exercem. A presença está em ato ou em exercício. A presença é uma profusão de presença.
Entendida dessa forma, a presença é o derramamento do próprio tempo. Não mais um tempo dado ou produzido, mas a dádiva ou a produção do tempo, a partir do tempo, — sem qualquer outra instância, sem qualquer outra referência. O tempo, ou melhor, a temporalização do tempo, é a própria transcendência, “o transcendente puro e simples”. O tempo está em si mesmo, fora de si mesmo. Isso não significa que esteja tanto dentro quanto fora de si mesmo. Significa que, em seu ser mais íntimo, é a exterioridade como tal.