Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Agamben (1995:III-6.1) – o estado de coma

quinta-feira 12 de novembro de 2020

Henrique Burigo

6.1 Em 1959, dois neurofisiólogos franceses, P. Mollaret e M. Goulon, publicaram na Revue Neurologique um breve estudo no qual acrescentavam à fenomenologia do coma até então conhecida uma nova e extrema figura, que eles definiam como coma dépassé (além-coma, se podería traduzir). Ao lado do coma clássico, caracterizado pela perda das funções da vida de relação (consciência, mobilidade, sensibilidade, reflexos) e pela conservação das funções da vida vegetativa (respiração, circulação, termorregulaçâo), a literatura médica daqueles anos distinguia, de fato, um coma vígil, em que a perda das funções de relação não era completa, e um coma carus, no qual a conservação das funções de vida vegetativa era gravemente perturbada. “A estes três graus tradicionais de coma” — escreviam provocatoriamente Mollaret e Goulon —- “sugerimos acrescentar um quarto grau, o coma dépassé…, ou seja, o coma no qual à abolição total das funções da vida de relação corresponde uma abolição igualmente total das funções da vida vegetativa” (Mollaret e Goulon, 1959, p. 4).

A formulação propositadamente paradoxal (um estágio da vida além da cessação de todas as funções vitais) sugere que o além-coma era o fruto integral (a rançon, como o definem os autores, com o termo que indica o resgate ou o preço exorbitante pago por alguma coisa) das novas técnicas de reanimação (respiração artificial, circulação cardíaca mantida através de perfusão endovenosa de adrenalina, técnicas de controle da temperatura corpórea etc.). A sobrevivência do além-comatoso, de fato, cessava automaticamente logo que os tratamentos de reanimação eram interrompidos: à completa ausência de toda reação aos estímulos que caracterizava o coma profundo seguia-se então o imediato colapso cardio-vascular e a cessação de todo movimento respiratório. Se, contudo, os tratamentos de reanimação eram mantidos, a sobrevivência podia prolongar-se enquanto o miocárdio, a esta altura independente de toda aferência nervosa, era ainda capaz de contrair-se com um ritmo e uma energia suficientes para assegurar a vascularização das outras vísceras (em geral, não mais que alguns dias). Mas se tratava verdadeiramente de uma “sobrevivência”? O que era aquela zona da vida que jazia além do coma? quem ou o que é o além-comatoso? “Diante destes infelizes” — escrevem os autores — “que encarnam os estados que definimos com o termo coma dépassé, quando o coração continua a bater, dia após dia, sem que se produza o mais leve despertar das funções da vida, o desespero acaba por vencer a piedade e a tentação de apertar o interruptor liberador torna-se lancinante” (Ibidem, p. 14).

[AGAMBEN  , Giorgio. Homo Sacer. O poder soberano e a vida nua. Tr. Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007, p. 167-168]

Original

6.1. Nel 1959 due neurofisiologi francesi, P. Mollaret e M. Goulon, pubblicarono nella Revue neurologique un breve studio in cui aggiungevano alla fenomenologia del coma fin allora conosciuta una nuova ed estrema figura, che essi definivano coma dépassé (oltrecoma, si potrebbe tradurre). Accanto al coma classico, caratterizzato dalla perdita delle funzioni della vita di relazione (coscienza, mobilità, sensibilità, riflessi) e dalle conservazioni di quelle della vita vegetativa (respirazione, circolazione, termoregolazione), la letteratura medica di quegli anni distingueva, infatti, un coma vigile, in cui la perdita delle funzioni di relazione non era completa, e un coma carus, in cui la conservazione delle funzioni della vita vegetativa era gravemente perturbata. «A questi tre gradi tradizionali di coma - scrivevano provocatoriamente Mollaret e Goulon - noi suggeriamo di aggiungere un quarto grado, il coma dépassé…, cioè il coma nel quale all’abolizione totale delle funzioni della vita di relazione corrisponde un’abolizione altrettanto totale delle funzioni della vita vegetativa» (Mollaret e Goulon, p. 4).

La formulazione volutamente paradossale (uno stadio della vita al di là della cessazione di tutte le funzioni vitali) suggerisce che l’oltrecoma era il frutto integrale (la rançon, lo definiscono gli autori, col termine che indica il riscatto o il prezzo esoso pagato per qualcosa) delle nuove tecnologie di rianimazione (respirazione artificiale, circolazione cardiaca mantenuta attraverso perfusione endovenosa di adrenalina, tecniche di controllo della temperatura corporea ecc.). La sopravvivenza dell’oltrecomatoso cessava, infatti, automaticamente non appena i trattamenti di rianimazione venivano interrotti: alla completa assenza di ogni reazione agli stimoli che caratterizzava il coma profondo seguiva allora l’immediato collasso cardiovascolare e la cessazione di ogni movimento respiratorio. Se, tuttavia, i trattamenti di rianimazione erano mantenuti, la sopravvivenza poteva prolungarsi finché il miocardio, ormai indipendente da ogni afferenza nervosa, era ancora capace di contrarsi con un ritmo e un’energia sufficienti ad assicurare la vascolarizzazione degli altri visceri (in genere non più di qualche giorno). Ma si trattava veramente di una « sopravvivenza? » Che cos’era la zona della vita che giaceva al di là del coma? Chi o che cos’è l’oltre-comatoso? «Di fronte a questi infelici - scrivono gli autori - che incarnano gli stati che abbiamo definito col termine coma dépassé, quando il cuore continua a battere, giorno dopo giorno, senza che si produca il più piccolo risveglio delle funzioni della vita, la disperazione finisce per vincere la pietà e la tentazione di premere l’interruttore liberatore diventa lancinante» (ibid., p. 14).


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