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domingo 28 de outubro de 2018

λήθη  , ληθε, λανθάνει, lathanei, λανθάνομαι, lanthanomai, lath, λάθε, lathe, ἐλάνθανε, elanthane, λαθών, λαθόν, lathon, λάθρα, lathra

Mas isso parece somente assim, antes de tudo, porque traduzimos uma conhecida palavra grega da raiz λαθ, à qual pertence ἀλήθεια, de modo que ao traduzir λανθάνομαι o essencial se perde. Segundo o dicionário, λανθάνομαι significa “esquecer”. Todo homem entende o que isso significa. Todos experimentam diariamente o “esquecer”. Entretanto, o que é isso? O que pensam realmente os gregos, quando expressam pela palavra λανθάνεσθαι o que chamamos de “esquecer”?

Inicialmente, faz-se necessária uma clarificação de λανθάνειν. Λανθάνω significa “eu estou oculto”. O particípio aoristo deste verbo é λαθών, λαθόν. Aqui temos a palavra contrária procurada para ἀληθές. Λαθόν é o ente que é oculto; λάθρα significa “de modo oculto”, “secretamente”. Λαθόν diz o que permanece oculto, o que se [42] mantém escondido. Entretanto, λαθόν, o ente que é oculto, não é a palavra contrária para ἀληθές, o “desencoberto” - enquanto na palavra contrária para desencoberto se pensa no falso. Pois o oculto não é, imediatamente, o falso. Mas, presumivelmente, de outro lado, το ψεῦδoς, o falso, permanece na sua essência sempre uma espécie de oculto e de ocultamento. Talvez devamos de fato compreender tò ψεῦδoς a partir de ocultar e do ser oculto, especialmente quando as palavras da raiz “ocultar” e “oculto” têm no interior da fala e do pensamento gregos uma força semântica dominante. E, de fato, isso elas têm. Só que esta se perdeu completamente na linguagem latina e românica, como também em nosso modo germânico próprio de falar e pensar. Antes de explicitar a essência do ψεῦδoς assim como é pensada pelos gregos, temos de tomar conhecimento do fato de que e em que medida ο λανθάνειν, o ser oculto, é essencial em todo o aparecer do ente para o homem grego. Λανθάνω significa: eu permaneço oculto. Homero   faz (Odisséia Θ [8]) o cantor Demódoco, depois do banquete festivo no palácio do rei dos feácios, contar sobre a pesada sorte que recaiu sobre os gregos diante de Tróia. Por causa de sua tristeza com a lembrança desse tempo, Odisseu cobre sua cabeça com o seu casaco (Θ, 93): […]

“Mas então ele (Odisseu) derramou lágrimas, sem que todos os outros o percebessem,
Alcino unicamente observou atentamente a tristeza…”

A tradução alemã de Voss aparentemente chega mais perto da palavra grega porque, num certo modo, integra a palavra ἐλάνθανε presente no verso 93:

“A todos os demais hóspedes ele escondeu suas lágrimas borbulhantes.” [43]

Mas ἐλάνθανε não diz transitivamente “ele escondeu”; λανθάνω não significa: eu escondo, e sim: eu estou oculto; ἐλάνθανε, dito de Odisseu, significa: ele (Odisseu) permaneceu oculto. “Literalmente”, e pensado de modo grego, Homero diz: “Mas, lá, em relação a todos os outros, ele permaneceu velado como quem derrama lágrimas”. De acordo com nosso modo de falar e pensar é, linguisticamente, mais correto traduzir: “Odisseu, não percebido pelos outros, derramou lágrimas.” O pensar grego entende de modo oposto e numa tal extensão que “velar” no sentido de permanecer velado é precisamente a palavra normativa. Os gregos dizem: Odisseu permaneceu velado aos outros como alguém que derrama lágrimas.

Numa outra passagem da Ilíada X (22), verso 277, encontramos uma situação semelhante. Num duelo com Heitor, Aquiles não o acertou com seu primeiro golpe de lança, pois Heitor tinha se abaixado. A lança golpeou o chão: […]

Voss traduz:

“a deusa agarrou-a (a lança) e imediatamente devolveu-a para o pelediano, não percebido pelo belicoso Heitor”.

Isso é “bem” pensado e falado na língua portuguesa: não percebido por Heitor, Atenas devolveu a Aquiles sua lança. Pensado, entretanto, no modo de ser grego, isso significa: Atenas manteve-se velada diante de Heitor ao devolver a lança. Vemos uma vez mais como “velado” perfaz o traço fundamental do comportamento da deusa; este traço fundamental é que dá à sua ação particular o caráter do seu “ser”. Talvez, a precisa e clara inversão de nosso modo de experimentar, pensar e dizer, em relação aos gregos, venha à luz no exemplo do bem conhecido provérbio epicurista: λάθε βιώσας. Traduzimos em “português correto”: “Viva veladamente”. O grego diz: “Permaneça velado no modo como conduzes tua vida”. Aqui o velar-se determina o caráter da presença do homem entre homens. O “velado” [44] e o “desvelado” é um caráter do próprio ente, e não caráter de nosso noticiar e apreender. No entanto, a percepção e a fala têm também, para os gregos, o traço fundamental da “verdade” ou da “não-verdade”.

Dessas poucas indicações pode ficar bem claro como, decididamente, o âmbito e a ocorrência do retraimento e do ocultamento vigem para os gregos sobre o ente e sobre o comportamento humano com os entes. Se agora, depois desse comentário e de sua luz, considerarmos mais uma vez a palavra grega comum proveniente da raiz λαθ, isto é, λανθάνομαι, então fica claro que a tradução usual e de fato “correta” de nossa palavra portuguesa “esquecer” simplesmente nada reproduz do modo grego de pensar.

Pensada com base no modo grego de ser, λανθάνομαι diz: Eu permaneço encoberto em relação a mim com respeito a algo que de outro modo seria desencoberto para mim. Assim, isso é, então, encoberto, na medida em que eu sou na minha relação para isso. O ente está submerso no velamento de tal modo que neste velamento do ente permaneço velado de mim mesmo. Dito de modo unitário, esse retraimento é, ele próprio, oculto. Algo semelhante de fato acontece, quando dizemos ter esquecido isto ou aquilo. No esquecer não somente algo escapa de nós, mas o esquecer decai para um ocultamento, de tal modo que nós mesmos caímos no ocultamento precisamente em relação ao esquecido. Assim, os gregos dizem mais precisamente έτπλανθάνομαι para captar o ocultamento no qual o homem acaba caindo, ao mesmo tempo que, no ocultamento, capta o que se retrai ao homem. Dificilmente se pode pensar numa possibilidade mais ampla de imaginar a essência do esquecer em uma única palavra.

Tanto o modo como a língua grega usa simplesmente o λανθάνει (ser e estar oculto) como verbo “regente”, como também na interpretação da essência do esquecimento, mediante justamente esta ocorrência do velamento, mostra-se de modo suficientemente claro que na “existência” [Dasein  ] dos gregos, isto é, no seu habitar no interior dos entes como tais, vige a essência do velamento de modo essencial. Daí já intuirmos, então, por que a verdade é experimentada e pensada no sentido do “desencobrimento”. Mas, tendo em vista esse [45] evento dominante do velamento, não deveria a essência da oposição mais comum à verdade, isto é, a essência da falsidade, ou seja, tò ψεῦδoς, também ser determinada a partir do velamento, mesmo se no som da palavra ψεῦδoς a raiz λαθ- não pode ser escutada?

Nessa suposição somos confirmados, se considerarmos que o falso e o não-verdadeiro, por exemplo, um juízo incorreto, é uma espécie de não-saber, no qual o “verdadeiro” estado de coisas se retrai de nós, e isso não exatamente do mesmo modo como “esquecer”, mas certamente de um modo correspondente, que os gregos experimentavam a partir do velamento, do retraimento, da latência. Se, então, o pensar grego apreende a essência do ψεῦδoς a partir do velar-se, isso só pode ser evidenciado se estivermos atentos à auto-expressão imediata da experiência grega e, a princípio, simplesmente não nos interessarmos pelo que os pensadores gregos, eles próprios, dizem explicitamente sobre ψεῦδoς. [GA54SMW:42-46]


Os gregos, porém, expressam a vigência do encobrimento [Walten   der Verbergung  ] antes de tudo na palavra λανθάνεσθαί ou ἐπιλανθάνεσθαι, que traduzimos usualmente por “esquecer” [Vergessen  ] e com isso a reinterpretamos de uma tal forma que a essência grega se perde. Nossa meditação anterior já mostrou que, no “esquecer”, ocorre, para os gregos, um encobrimento. O esquecido é, na experiência dos gregos, o que afundou num encobrimento (numa latência), especificamente de maneira que o afundar, isto é, o encobrimento, permanece encoberto para aquele próprio que esqueceu. De modo mais exato e ainda mais grego: aquele que esquece permanece para si mesmo encoberto em sua relação com o que acontece aqui, no que diz respeito ao que nós, então, em consequência desse evento, chamamos de o esquecido. Aquele que esquece não esquece somente o esquecido, mas, no decorrer, esquece a si próprio como aquele para quem o esquecido se subtraiu. Toma lugar aqui um encobrimento que atinge igualmente o esquecido e, também, aquele que esquece sem, entretanto, fazer esquecer ambos.

Esse encobrimento mostra uma irradiação toda própria. Para o evento de um tal encobrimento temos apenas a palavra “esquecimento”, a qual diz realmente aquilo no que o esquecido afunda – como a ocorrência que exclui o homem do esquecido. Em geral concebemos a ação de esquecer como o comportamento de um “sujeito”: nós o compreendemos como quem não retém a coisa e falamos então de “esquecimento” como aquilo pelo que algo nos “escapa” quando, por causa de uma coisa, esquecemos a outra. A tendência de esquecer, aqui, significa pouca capacidade de atenção. Ao lado disso, existe o esquecimento, que explicamos como consequência de “distúrbios de memória”. A psicopatologia chama isso de “amnésia”. Mas a palavra “esquecimento” é por demais fraca para nomear o esquecimento que pode atingir o homem; pois esquecimento é somente a inclinação para a distração. Se acontece que esquecemos o que é essencial e o deixamos de lado, o perdemos e o riscamos de nossa mente, então não podemos mais falar de “esquecimento” [Vergesslichkeit] mas de “obliteração” [Vergessenheit]. [GA54  ; GA54SMW:107]


Furthermore, it is to be noted that ἀληθεύειν, as it exists in δόξα  , in μάθησις  , and in ἐπιστήμη  , has a peculiar character of fallenness [Verfallen  ]. What I experience, notice, or have learned, I can forget; in this possibility, ἀληθεύειν is subject to λήθη (where the stem of the verb λανθάνειν lies hidden) — what is disclosed can sink back into concealment. The ability to become forgotten [Vergessen-werden  -Können] is a specific possibility of that ἀληθεύειν which has the character of θεωρεῖν  . For the ἔξις μετὰ λόγου   is a ἔξις of ἀληθεύειν into which Dasein places itself explicitly. In the case of φρόνησις   things are different. This is manifest in the fact that I can experience, notice, and learn what has already been experienced, noted, and learned, whereas φρόνησις is in each case new. Hence there is no λήθη in relation to φρόνησις: […]. As regards φρόνησις, there is no possibility of falling into forgetting [Vergessen] (Nic. Eth. VI, 5, 1140 b28ff.). Certainly the explication which Aristotle   gives here is very meager. [GA19RS  :39]

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