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Weltanschauung

quarta-feira 5 de julho de 2023

Weltanschauung  , concepção de mundo, visão de mundo, concepción del mundo, world view

Em meio à discussão da diferença entre filosofia científica e filosofia como visão de mundo, é conveniente começar pelo conceito que foi por último nomeado, e, em verdade, pelo termo “visão de mundo” (Weltanschauung). Esse termo em alemão não é nenhuma tradução oriunda do grego ou do latim, por exemplo. Não há uma expressão como κοσμοθεωρία  . Ao contrário, Weltanschauung (visão de mundo) é uma cunhagem especificamente alemã. Além disso, ela foi criada de fato no interior da filosofia. É na Crítica da faculdade de julgar de Kant   que ela vem à tona pela primeira vez em sua significação natural: a visão de mundo é aí pensada como uma contemplação do mundo dado sensivelmente, ou, como Kant diz, do mundus sensibilis: visão de mundo como concepção pura e simples da natureza em seu sentido mais amplo. É assim que, em seguida, utilizam a palavra Goethe   e Alexander von Humboldt  . Esse uso desaparece nos anos 30 do século XIX sob a influência de uma nova significação que foi dada à expressão “visão de mundo” por meio dos românticos, principalmente por Schelling  . Schelling diz na Introdução ao projeto de um sistema da filosofia da natureza (1799): “A inteligência é produtiva de duas maneiras: ou bem cega e inconscientemente, ou bem livre e conscientemente; ela é inconscientemente produtiva na visão de mundo; conscientemente, na criação de um mundo ideal   [1]. Aqui, a visão de mundo não é mais simplesmente articulada com a contemplação sensível, mas com a inteligência, ainda que com a inteligência inconsciente. Além disso, enfatiza-se o momento [13] da produtividade, isto é, da formação autônoma da visão. Com isso, a palavra aproxima-se da significação com a qual estamos hoje familiarizados, um modo autorrealizado, produtivo e, por isso, também consciente de apreender e interpretar o todo do ente. Schelling fala de um esquematismo da visão de mundo, isto é, de uma forma esquematizada para as diversas visões de mundo possíveis, que vêm à tona e são formadas faticamente. A visão do mundo assim compreendida não precisa ser realizada com uma intenção teórica e mediante uma ciência teórica. Em sua Fenomenologia do espírito, Hegel   fala de uma “visão de mundo moral   [2]. Görres usa a expressão “visão de mundo poética”. Ranke fala de “uma visão de mundo religiosa e cristã”. Fala-se por vezes de uma visão de mundo democrática, por vezes de uma visão de mundo pessimista ou mesmo da visão de mundo medieval. Schleiermacher   diz: “É somente a nossa visão de mundo que torna o nosso saber acerca de Deus completo”. Bismarck escreveu em certa ocasião para a sua noiva: “Há visões de mundo certamente assombrosas em pessoas muito inteligentes”. A partir das formas e possibilidades da visão de mundo que enumeramos fica claro que não se compreende por esse termo apenas a concepção da conexão entre as coisas naturais, mas, ao mesmo tempo, uma interpretação do sentido e da finalidade do ser-aí humano e, com isso, da história. A visão de mundo sempre encerra em si a visão da vida. A visão de mundo emerge de uma meditação conjunta sobre o mundo e o ser-aí humano; e isso, por sua vez, ocorre de maneiras diversas: expressa e conscientemente junto ao particular ou por meio da assunção de uma visão de mundo dominante. Crescemos em uma tal visão de mundo e nos acostumamos com ela. A visão de mundo é determinada pelo entorno: povo, raça, estado, nível de desenvolvimento da cultura. Cada visão de mundo assim expressamente formada surge a partir de uma visão de mundo natural, de uma esfera de concepções do mundo e de determinações do ser-aí humano que são dadas a cada vez de maneira mais ou menos expressa com [14] cada ser-aí. Precisamos distinguir a visão de mundo expressamente formada ou a visão de mundo cultural da visão de mundo natural.

A visão de mundo não é questão de um saber teórico, nem no que diz respeito à sua origem nem em relação ao seu uso. Ela não é retida na memória como um bem cognitivo, mas é antes questão de uma convicção coerente que determina de modo mais ou menos expresso e direto as ações e as transformações da vida. Segundo o seu sentido, a visão de mundo está ligada ao respectivo ser-aí atual. Nessa ligação com o ser-aí, ela funciona como um guia e como uma força para ele em suas preocupações imediatas. Quer a visão de mundo seja determinada por superstições e preconceitos, quer ela se apoie puramente sobre o conhecimento e a experiência científicos, quer mesmo ela surja, tal como normalmente acontece, a partir de uma mistura entre superstição e saber, preconceito e meditação, tudo isso importa pouco, pois nada se altera em sua essência. [GA24MAC  :12-14]


[…] No filosofar, o decisivo é: formar uma “visão de mundo”, e na medida do possível a mais abrangente e mais segura. [52] “Visão de mundo” tem, aí, um sentido múltiplo. A palavra significa: o sistema enquanto ordenação supervisora e caracterização ordenativa das diversas regionalidades e valores da vida e a demarcação de seu nexo conjuntural – junto com “a ideia paralela”, pela qual se dá uma certeza e determinação para a orientação própria da vida prática própria.

Visão de mundo significa então: ordem e determinação dos princípios de tomada de posicionamento frente ao homem, aos valores e às coisas. Num sentido específico, significa: Regulamentação das relações e do comportamento em relação a um assim chamado absoluto. Ocupar-se com essas tarefas, e de tal modo que são resolvidas no tempo correto (pois no final da vida já não mais precisamos delas), é filosofar. Para isso é necessário um olhar amplo e abrangente, o domínio de regiões do saber, o domínio das artes, das religiões, dos âmbitos de vida sociopolíticos e econômicos. O filósofo correto tem de ser imediatamente e sempre um indivíduo lexical.

Platão   e Aristóteles   não tinham a palavra “visão de mundo”, isto é, o nexo conjuntural de experiência e de posicionamento que vem anunciado com essa palavra. Tiveram que se virar em dar conta da filosofia e abarcar os problemas sem poder safar-se comodamente na ostentação charlatã dessa “palavra” e suas propensões de posicionamento. Compreendida plenamente – nessa “palavra”, no fundo, expressa-se o desastre de nossa situação espiritual de hoje; a filosofia colabora para esse desastre, aguça-o justo pelo fato de orientar sua problemática na visão de mundo (Weltanschauung), seja quando filosofamos baseados e rumo à “visão de mundo” como alguém que viaja “para buscar couro ou rendas de Bruxelas”, seja quando vamos ao encontro de uma visão de mundo científica (fundamentada e bem formulada), seja quando confrontamos a filosofia da visão de mundo com uma filosofia científica. E justamente com essa última confrontação que fazemos com a filosofia da visão de mundo, que colaboramos nesse desastre, na medida em que, ao estabelecermos limites frente à mesma, a determinação da ciência é codeterminada [53] a partir da visão de mundo, e essa é colocada ao mesmo tempo como meta última mesmo que distante – quem sabe agora ainda não alcançável, mas dentro de um certo tempo! O desastre representado por essa palavra só será superado ou, primordialmente, o que significa também a questão principal, só será reconhecido radicalmente quando conseguirmos neutralizar a “palavra” e seu significativo contexto de posicionamento. [GA61EPG  :51-53]


The expression “world-view,” found already in Kant but not   yet in our contemporary meaning, points in the direction of this use of the concept “world.” By “world-view” we do not mean contemplating the world in the sense of nature, but view here means, as repraesentatio   singularis, representing, thinking, knowing some whole in which every human existence as such has an interest. The term “world-view" must also be taken in this sense in the work by Karl Jaspers  , Psychologie   der Weltanschauungen (3rd edition 1925); the latter psychology is the endeavor to show “what the human being is.”

In the contemporary meaning of the term, we include in world-view the taking up of a certain position, or the means provided for taking up a position, and a position which is, in each case, a distinct existentiell stance. Philosophy itself never gives a world-view nor does it have the task of providing one. On the contrary, philosophy is one possible form of existence that, ideally, in itself requires no world-view, because it moves in the possibilities of world-views. (To what extent, though, it requires “involvement,” cf. above § 10, heading 11.) “World-view philosophy” is in general a nonsensical phrase; it can only have meaning as a discussion of the essence of world-views, their intrinsic necessity and [180] [GA26  :231-232] possible forms. But equally nonsensical at bottom is the expression “scientific philosophy,” because philosophy is prior to all science, and can be so only because it is already, in an eminent sense, what “science” can be only in a derived sense. The alternatives, either a scientific or a world-view philosophy, are just as superficial as is a combination of both. [GA26:231; GA26MH:179-180]


VIDE: Weltanschauung

visão-de-mundo

Weltanschauung (concepção de mundo): Heidegger reporta-se com este termo a uma certa tendência vigente em meio à disposição fundamental de seu tempo a assumir a filosofia como promovedora de visões de mundo (ideologias). Diante da crise radical de todos os padrões metafísicos de reflexão e de uma aparente necessidade de ruptura com a filosofia tradicional, a filosofia vê-se dissociada de sua vocação natural para a transcendência e procura então um refúgio no interior do processo de constituição do mundo da cultura. Sob a presunção de uma superação da dicotomia entre espírito e vida, ela entrega-se a um processo infundado de constituição de teorias desprovidas em si mesmas de qualquer enraizamento radical na própria gênese de realidade. [Casanova  ; GA67MAC:188]


A palavra Weltanschauung é formada a partir de Welt, "mundo" , e Anschauung  , "visão, intuição etc." , e significa "visão de, ponto de vista sobre, o mundo" . Weltbild é "imagem [Bild  ]-de-mundo" . As duas expressões não são intercambiáveis.

Heidegger está interessado na Weltanschauung porque ela está relacionada com o "mundo" , e contrasta com a ciência e com a filosofia. Ele pergunta: Será que o ser-no-mundo de Dasein   envolve essencialmente uma Weltanschauung? Como se relacionam a Weltanschauung e a transcendência de Dasein? Como aquela se relaciona com a filosofia? (Cf. GA27  , 229ss, 344). Filosofia e Weltanschauung "são tão incomparáveis que nenhuma imagem possível está disponível para ilustrar a sua diferença. Qualquer imagem as colocaria muito próximas uma da outra" (GA65  , 39). A "Weltanschauung limita e restringe a experiência real. […] A filosofia entreabre a experiência, não podendo por esta razão fundar diretamente a história. Weltanschauung é sempre um fim, na maioria das vezes um prolongado e inconsciente fim. A filosofia é sempre um começo e requer a sua própria superação" (GA65, 37). Uma Weltanschauung é em geral arbitrária e peremptória. Ela pode ser "pessoal" , expressando a experiência de vida e as opiniões particulares de alguém, ou "total" , extinguindo todas as opiniões pessoais. Uma total Weltanschauung não pode compreender a si mesma, pois isto a colocaria em questão. Assim, a sua criatividade inicial é rapidamente convertida "na gigantomania da maquinação" (GA65, 40). A filosofia também reivindica a "totalidade" , se ela é "conhecimento [Wissen  ] dos entes enquanto tais como um todo" . Mas isto se aplica à metafísica, especialmente em sua máscara cristã de idealismo alemão, não à filosofia do "outro começo" , que continuamente se desenvolve e supera a si mesma (GA65, 41. Cf. 435s). [DH  ]


As questões: 1. Em que medida faz parte da essência do ser-aí, como ser-no-mundo, algo tal como "visão de mundo"? 2. De que modo deve, tendo presente a transcendência do ser-aí, ser delimitada a essência da visão de mundo em geral e fundamentada em sua possibilidade interna? 3. Como se relaciona, de acordo com seu caráter transcendental  , a visão de mundo com a filosofia? - não podem ser aqui elaboradas, nem mesmo respondidas. (N. do A.) [Ernildo Stein  ; MHeidegger - Sobre a essência do fundamento, p. 134]

Observações

[1SCHELLING. WW (Schröter). Vol. 2, p. 271.

[2HEGEL. WW (Glöckner). Vol. 2, p. 461ss.