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Vattimo (1996:101-105) – superação da metafísica

sexta-feira 1º de março de 2024, por Cardoso de Castro

Gama

A tendência, intrínseca à metafísica (desde a sua origem), para esquecer o ser e para fazer aparecer em primeiro plano apenas o ente como tal é tendência fundada na conexão essencial de verdade e não-verdade e, realiza-se pois, de maneira perfeita no mundo da técnica. Mas, ao realizar verdadeiramente a sua própria essência de esquecimento, a metafísica alcança também o seu fim, na medida em que já não há nenhum meta, nenhum «mais além»; o ser do ente não é já, nem sequer remotamente, algo que se busque mais além do próprio ente, mas é o seu funcionar efectivo dentro de um sistema instrumental imposto pela vontade do sujeito. Nesta situação, o pensamento é apenas excogitação técnica, também ele instrumento para solucionar problemas «internos» à totalidade instrumental do ente e inerentes à sua organização cada vez mais «racional».

E precisamente nesta situação de extrema pobreza do pensamento” que também se torna possível ir além da metafísica [101] e, talvez, sair do esquecimento do ser que a caracteriza. Em primeiro lugar, como já dissemos, a metafísica pode subsistir apenas enquanto a sua essência de esquecimento está mascarada e oculta, isto é, apenas enquanto esquece o seu próprio esquecer. Alas a redução da totalidade do ente a sistema totalmente organizado e relativo fim do pensamento como ultrapassagem que, sem a efectuar verdadeiramente, a metafísica do passado tentou continuamente, encontrando aí a sua própria razão de ser, é que fazem que o esquecimento da metafísica não possa já ser esquecido, mas venha para o primeiro plano com toda a sua dimensão determinante. Cair na conta do esquecimento leva a outra interrogação decisiva que, substancialmente, é a formulada (ainda que em termos um pouco diferentes) no parágrafo final do Ser e Tempo  , onde se perguntava como o ser do ente pode chegar a conceber-se como simples presença. Aqui a pergunta tornou-se mais radicalmente histórica: como foi possível chegar ao ponto de esquecimento total do ser em que agora nos encontramos? Daqui parte a reflexão sobre a metafísica como história; nesta reflexão, está implícito um «projecto» do sentido do ser que já não é metafísico. Com efeito, fica claro que cair na conta do esquecimento implica já assumir uma posição que não se encontra nesse esquecimento. Ver a metafísica como história e sair da metafísica compreendendo o ser de maneira diferente de como ela o compreende são a mesma coisa. Daí o significado não só negativo da destruição da ontologia, mas também o significado positivo da elaboração de um novo «projecto» do sentido do ser, que a reflexão heideggeriana   tem sobre a história da metafísica.

Neste ponto, é natural interrogar-nos em que medida a elaboração de uma compreensão do ser, que se leva a cabo mediante uma reflexão negativa e positiva sobre toda a história do pensamento ocidental, se distingue de outra grande [102] tarefa do pensamento que, à primeira vista, parece análoga, isto é, o sistema de Hegel  . Para Heidegger, a reflexão histórica não tem o sentido de apreender na história do pensamento o progressivo desvelamento de uma verdade que, sob o ponto de vista (que Hegel declara ter alcançado) do saber absoluto, se possa reconhecer como tal e integrada numa perspectiva definitiva. Ao método hegeliano da Aufhebung  , que conserva e ao mesmo tempo supera na filosofia absoluta o que de verdadeiro disse o pensamento do passado, Heidegger opõe o método do Schritt   zurück, do «passo atrás» [1]. Este método não se deve entender como uma simples inversão do método hegeliano; não se trata de dar um passo atrás no sentido de remontar às origens históricas do pensamento, como se o primeiro histórico-temporal   estivesse mais próximo do ser, pelo qual a história, para Heidegger, se configuraria apenas com o progressivo afastamento do ser. O Schritt zurück não é um voltar atrás no sentido temporal, mas um retroceder no sentido de se distanciar, situando-se num ponto de vista que permita ver a metafísica como história, como um processo de devir; enquanto a vemos como história, «pomo-la em movimento» [2], isto é, por um lado, furtamo-nos à sua presumível evidência, vemo-la em relação com o seu «donde», em relação com o obscuro de que provém e que constantemente esquece. Precisamente por isto, a visão da metafísica como história não é consecução da autotransparência do espírito absoluto hegeliano. Ver a metafísica como história não significa apoderar-se da totalidade da verdade, mas significa ver a história do pensamento como um proceder de uma [103] «origem», que permanece constitutivamente obscura e que nunca se «resolve» na história cio próprio pensamento. A insistência cie Heidegger na obscuridade como fundo que o pensamento esquece pode realmente entender-se como radical oposição a Hegel, para quem o espirito é o que consome, resolve e dissolve na autoconsciência todos os seus próprios supostos. Esta recusa de Hegel impede também interpretar o discurso heideggeriano como pura inversão do discurso hegeliano, que veja a história como progressivo alheamento do ser. Também neste caso o fim da metafísica não se poderia entender a não ser como uma tomada de consciência absoluta de tipo hegeliano; seria necessário, pois, poder dizer, em forma de definição, que o ser está essencialmente constituído por um progressivo ocultamento e que semelhante «definição» seria também a afirmação de que, mesmo através da história do ocultamento, o ser tende por fim a desvelar-se no que é: ocultamento precisamente daquilo de que, todavia, o pensamento pode adquirir pela consciência.

A contraposição do método do «passo atrás» à Aufhebung hegeliana tende precisamente a evitar todos estes equívocos. O fim da metafísica não pode significar de nenhuma maneira o fim do esquecimento do ser, no sentido de que o ser acabe por se transformar como tal em objecto de pensamento explícito. Nesse caso, o erro da metafísica não faria senão repetir-se, já que reduziu o ser a ente justamente enquanto se esforçou por convertê-lo em objecto de teorizações e de definições, por inseri-lo organicamente na concatenação do raciocínio de fundação. Ver a metafísica como história não significa à maneira hegeliana, descobrir por fim a direção e o sentido gerai do seu desenvolvimento; significa, de preferência, vê-la antes de mais como «movimento», como um «proceder de»; significa, pois, ver o sistema do raciocínio de fundação como algo situado dentre de um âmbito que [104] o transcende e que, por sua vez, não pode conceber-se como fundamento.

Apesar disso, o problema de distinguir o método heideggeriano do hegeliano não se resolve a não ser levantando em gerai o problema da possibilidade e do caracter de um pensamento que já não é metafísico. Com efeito, se o pensamento liberto da metafísica fosse o pensamento que recorda o ser no sentido de assumi-lo como conteúdo temático próprio, então verdadeiramente Heidegger não se distinguirá substancialmente de Hegel e o Schritt zurück seria apenas um novo disfarce, mais ou menos dissimulado, da autoconsciência hegeliana. De maneira que temos de perguntar-nos se é possível, e como se define, um pensamento que vá mais além da metafísica, isto se é possível uma autêntica superação da própria metafísica.

Original

La tendenza, intrinseca nella metafisica fin dalla sua origine, a dimenticare l’essere lasciando venire in primo piano solo l’ente come tale — tendenza che è fondata nella connessione essenziale di verità e non-verità — si realizza dunque perfettamente nel mondo della tecnica. Ma realizzando davvero la propria essenza di oblio, la metafisica giunge anche alla sua fine, in quanto non c’è più ormai alcun μετά, alcun «oltre»; l’essere dell’ente non è più neanche remotamente qualcosa che vada cercato oltre l’ente stesso, è il suo effettivo funzionare dentro a un sistema strumentale posto dalla volontà del soggetto. In questa situazione, il pensiero non è più altro che escogitazione tecnica, strumento esso stesso per la soluzione di problemi «interni» alla totalità strumentale dell’ente e inerenti alla sua sempre più «razionale» sistemazione.

È proprio in questa situazione di estrema povertà del pensiero53 che diventa anche possibile andare oltre la metafisica e, forse, uscire dall’oblio dell’essere che la caratterizza. Anzitutto, come già si è detto, la metafisica può sussistere solo finché la sua essenza

di oblio è mascherata e nascosta, cioè solo finché dimentica il suo stesso dimenticare. Ma la riduzione della totalità dell’ente a sistema totalmente organizzato e la relativa fine del pensiero come oltrepassamento dell’ente — oltrepassamento che, sia pure senza attuarlo davvero, la metafisica del passato ha continuamente tentato, trovando in ciò la propria ragion d’essere — fa sí che l’oblio costitutivo della metafisica non possa più essere dimenticato, ma venga in primo piano in tutta la sua determinante portata. Il rendersi conto dell’oblio conduce a un’altra decisiva domanda, che è in sostanza quella formulata, sia pure in termini un po’ diversi, nel paragrafo conclusivo di Essere e tempo, che si chiedeva come mai l’essere dell’ente ha potuto giungere ad esser pensato come semplice-presenza. Qui la domanda si è fatta più radicalmente storica: come è stato possibile giungere al punto di totale oblio dell’essere in cui ora ci troviamo? Di qui parte la riflessione sulla metafisica come storia; in tale riflessione è implicito già un «progetto» del senso dell’essere che non è più metafisico. È chiaro infatti che l’accorgersi dell’oblio implica già l’assunzione di una posizione che, sia pure ancora solo embrionalmente, in questo oblio non è più. Vedere la metafisica come storia e uscire da essa comprendendo l’essere in un senso diverso da come essa lo comprende sono la stessa cosa. Di qui il significato non solo negativo, di distruzione della storia dell’ontologia, ma anche positivo, di elaborazione di un nuovo «progetto» del senso dell’essere, che ha la riflessione heideggeriana   sulla storia della metafisica.

È naturale, a questo punto, domandarsi se e in che misura questa elaborazione di una comprensione dell’essere che si attua attraverso una riflessione negativo-positiva sull’intera storia del pensiero occidentale si distingua da un’altra grande impresa di pensiero che a prima vista si presenta come analoga, cioè dal sistema di Hegel. Per Heidegger, la riflessione storica non ha il senso di cogliere nella storia del pensiero il progressivo svelarsi di una verità che, dal punto di vista (che Hegel ritiene di aver raggiunto) del sapere assoluto, possa venir riconosciuta come tale e integrata in una prospettiva definitiva. Al metodo hegeliano della Aufhebung, che conserva e insieme supera nella filosofia assoluta ciò che di vero ha detto il pensiero del passato, Heidegger contrappone quello dello Schritt zurück, del «passo indietro»54. Questo metodo non intende essere un semplice rovesciamento di quello hegeliano; non si tratta di fare un passo indietro nel senso di risalire alle origini storiche del pensiero, come se il prima storico-temporale possedesse anche una maggiore vicinanza all’essere per cui la storia, per Heidegger, verrebbe a configurarsi solo come un progressivo allontanamento dall’essere. Schritt zurück non è un ritornare indietro nel senso temporale, ma un arretrare nel senso di prender le distanze, collocandosi in un punto di vista che ci fa vedere la metafisica come storia, come un processo di divenire; in quanto la vediamo come storia, la «mettiamo in moto»55, cioè da un lato ci sottraiamo alla sua pretesa evidenza e indiscutibilità, dall’altro la vediamo in rapporto al suo «da dove», cioè in rapporto a quell’oscuro da cui viene e che costantemente dimentica. Proprio per questo la visione della metafisica come storia non è il raggiungimento dell’autotrasparenza dello spirito assoluto hegeliano. Vedere la metafisica come storia non significa impadronirsi della totalità della verità, ma anzi vedere la storia del pensiero come un venire da una «origine» che rimane costitutivamente oscura e che non si «risolve» mai nella storia del pensiero stesso. L’insistenza di Heidegger sull’oscurità come sfondo che il pensiero dimentica, anzi, può proprio intendersi come radicale contrapposizione a Hegel, per il quale lo spirito è quello che consuma, cioè risolve e dissolve nella autocoscienza tutti i propri presupposti. Questo rifiuto di Hegel impedisce anche di interpretare il discorso heideggeriano come un puro rovesciamento dello hegelismo, che veda la storia come progressivo allontanamento dall’essere. Anche in questo caso la fine della metafisica non potrebbe intendersi altrimenti che come una presa di coscienza assoluta di tipo hegeliano: bisognerebbe infatti poter dire, in forma di definizione, che l’essere è essenzialmente costituito da un progressivo nascondimento; e tale «definizione» sarebbe anche l’affermazione del fatto che, pur attraverso la storia del nascondimento, l’essere tende alla fine a svelarsi in quello che è: nascondimento, appunto, di cui però il pensiero può prendere piena coscienza.

La contrapposizione del metodo del «passo indietro» alla Aufhebung hegeliana tende appunto a evitare tutti questi equivoci. La conclusione della metafisica non può significare in nessun modo la fine dell’oblio dell’essere nel senso che l’essere diventi finalmente come tale oggetto di pensiero esplicito. In tal caso, l’errore della metafisica non farebbe che ripetersi, giacché essa ha ridotto l’essere a ente proprio in quanto si è sforzata di farlo oggetto di teorizzazioni e definizioni, di inserirlo organicamente dentro la concatenazione del ragionamento fondativo. Vedere la metafisica come storia non significa, hegelianamente, scoprire finalmente la direzione e il senso complessivo del suo sviluppo; significa piuttosto vederla anzitutto come «movimento», appunto come un «venire da»; vedere quindi anche il sistema del ragionare fondativo come collocato dentro un ambito che lo trascende e che non può essere pensato a sua volta come fondamento.

Tuttavia, questo problema della distinzione del metodo heideggeriano da quello hegeliano non si risolve se non ponendo in generale il problema della possibilità e del carattere di un pensiero non più metafisico. Se infatti il pensiero liberato dalla metafisica fosse quel pensiero che ricorda l’essere nel senso di assumerlo finalmente come proprio contenuto tematico, allora davvero Heidegger non si distinguerebbe sostanzialmente da Hegel, e lo Schritt zurück sarebbe solo un ennesimo travestimento, più o meno rovesciato, dall’autocoscienza hegeliana. Ci si deve dunque domandare se è possibile e come si definisce un pensiero che vada oltre la metafisica; se cioè è possibile un autentico superamento della metafisica stessa.


Ver online : Gianni Vattimo


VATTIMO, Gianni. Introdução a Heidegger. Tr. João Gama. Lisboa: Instituto Piaget, 1996


[1Ver Identität und Differenz, op. cit.., pp. 39 e segs.

[2Ver Que é Metafísica?, tradução citada, p. 34: é este o sentido em que se interpreta aquela passagem em que se diz que a «filosofia é só colocar em movimento a metafísica, com a qual chega a si mesma e explicitamente aos seus conteúdos».