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Jaspers: VERDADE

quarta-feira 23 de março de 2022

Karl Jaspers  , Filosofia da Existência, trad. Marco Aurélio de Moura Matos. Imago, 1973.

QUANDO SE TENHA votado à verdade racionalmente cognoscível na forma da ciência concreta — quando se tem imaginado, além do mais, o significado da verdade em que efetivamente já se viveu, dentro dos modos da realidade abrangente — e quando, finalmente, se tem percebido a forma da verdade na exceção e na autoridade, está-se caminhando, a passos regulares, de volta à realidade.

Mas filosoficamente não se alcança o derradeiro, tanto pelo choque dado pela exceção quanto pela calma dada pela autoridade.

Viver não-interrogativamente no seio da autoridade é impossível para quem quer que tenha, realmente, filosofado. Uma coisa é viver no seio da autoridade, e outra muito diversa pensar criticamente seu caminho na direção dela. Se eu vivo no seio da autoridade, a verdade existe, em ingênua simplicidade; se penso o meu caminho em sua direção, todavia, é infinitamente complexa: se se tenta dar expressão racionalmente adequada à efetividade histórica da autoridade, nenhuma análise racional faz justiça a este esforço. Não obstante, à medida que se amadurece no filosofar, o pensamento acha-se inseparavelmente ligado com a vida na autoridade.

Este filosofar não pode deduzir a autoridade. O fato de eu acreditar numa autoridade tem a sua fonte na totalidade da realidade abrangente; se devo acreditar nela, nunca poderá ser provado. A elucidação da autoridade em geral nunca justifica uma autoridade historicamente determinada e concreta.

O pensamento filosófico ainda não se silencia na presença da exceção e da autoridade, todavia. Na verdade, o paradoxo surge no sentido de que a autoridade requer justificação, dado que toda justificação anula-a como autoridade no ato de justificá-la. Mas o pensamento filosófico não apenas solapa as deduções que se tornam falsas; pode também apresentar de maneira a mais clara e a mais pura o que vem da origem.

A estrada que não se interrompe na presença da exceção e tía autoridade, mas que as penetra — a estrada da verdade filosófica — é chamada Razão (NA: Os filósofos alemães de há multo já fizeram uma distinção radical entre entendimento e razão — Verstand e Vernunft  . Mas a diferença não penetrou na linguagem ordinária. O significado profundo da palavra razão deve ser continuamente atada recapturado.). Em lugar de possuir, conclusivamente, a verdade em quaisquer das formas discutidas até aqui e de exibir a verdade em seu conteúdo, terminaremos por falar acerca da razão.

Saber o que seja razão, realizando-a, tem sido sempre e sempre será a tarefa específica da filosofia.


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