Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Arendt (CH:§1) – a condição humana

domingo 1º de março de 2020

Roberto Raposo

A condição humana compreende algo mais que as condições nas quais a vida foi dada ao homem. Os homens são seres condicionados: tudo aquilo com o qual eles entram em contato torna-se imediatamente uma condição de sua existência. O mundo no qual transcorre a vita activa consiste em coisas produzidas pelas atividades humanas; mas, constantemente, as coisas que devem sua existência exclusivamente aos homens também condicionam os seus autores humanos. Além das condições nas quais a vida é dada ao homem na Terra e, até certo ponto, a partir delas, os homens constantemente criam as suas próprias condições que, a despeito de sua variabilidade e sua origem humana, possuem a mesma força condicionante das coisas naturais. O que quer que toque a vida humana ou entre em duradoura relação com ela, assume imediatamente o caráter de condição da existência humana. E por isto que os homens, independentemente do que façam, são sempre seres condicionados. Tudo o que espontaneamente adentra o mundo humano, ou para ele é trazido pelo esforço humano, torna-se parte da condição humana. O impacto da realidade do mundo sobre a existência humana é sentido e recebido como força condicionante. A objetividade do mundo — o seu caráter de coisa ou objeto — e a condição humana complementam-se uma à outra; por ser uma existência condicionada, a existência humana seria impossível sem as coisas, e estas seriam um amontoado de artigos incoerentes, um não-mundo, se esses artigos não fossem condicionantes da existência humana.

Para evitar erros de interpretação: a condição humana não é o mesmo que a natureza humana, e a soma total das atividades e capacidades humanas que correspondem à condição humana não constitui algo que se assemelhe à natureza humana. Pois nem aquelas que discutimos neste livro nem as que deixamos de mencionar, como o pensamento e a razão, e nem mesmo a mais meticulosa enumeração de todas elas, constituem características essenciais da existência humana no sentido de que, sem elas, essa existência deixaria de ser humana. A mudança mais radical da condição humana que podemos imaginar seria uma emigração dos homens da Terra para algum outro planeta. Tal evento, já não inteiramente impossível, implicaria em que o homem teria que viver sob condições, feitas por ele mesmo, inteiramente diferentes daquelas que a Terra lhe oferece. O labor, o trabalho, a ação e, na verdade, até mesmo o pensamento como o conhecemos deixariam de ter sentido em tal eventualidade. Não obstante, até mesmo esses hipotéticos viajores terrenos ainda seriam humanos; mas a única afirmativa que poderíamos fazer quanto à sua «natureza» é que são ainda seres condicionados, embora sua condição seja agora, em grande parte, produzida por eles mesmos. (ARENDT  , Hannah. A Condição Humana. Tr. Celso Lafer. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 17-18)

Original

The human condition comprehends more than the conditions under which life has been given to man. Men are conditioned beings because everything they come in contact with turns immediately into a condition of their existence. The world in which the vita activa spends itself consists of things produced by human activities; but the things that owe their existence exclusively to men nevertheless constantly condition their human makers. In addition to the conditions under which life is given to man on earth, and partly out of them, men constantly create their own, self-made conditions, which, their human origin and their variability notwithstanding, possess the same conditioning power as natural things. Whatever touches or enters into a sustained relationship with human life immediately assumes the character of a condition of human existence. This is why men, no matter what they do, are always conditioned beings. Whatever enters the human world of its own accord or is drawn into it by human effort becomes part of the human condition. The impact of the world’s reality upon human existence is felt and received as a conditioning force. The objectivity of the world—its object- or thing-character—and the human condition supplement each other; because human existence is conditioned existence, it would be impossible without things, and things would be a heap of unrelated articles, a non-world, if they were not the conditioners of human existence.

To avoid misunderstanding: the human condition is not the same as human nature, and the sum total of human activities and capabilities which correspond to the human condition does not constitute anything like human nature. For neither those we discuss here nor those we leave out, like thought and reason, and not even the most meticulous enumeration of them all, constitute essential characteristics of human existence in the sense that without them this existence would no longer be human. The most radical change in the human condition we can imagine would be an emigration of men from the earth to some other planet. Such an event, no longer totally impossible, would imply that man would have to live under man-made conditions, radically different from those the earth offers him. Neither labor nor work nor action nor, indeed, thought as we know it would then make sense any longer. Yet even these hypothetical wanderers from the earth would still be human; but the only statement we could make regarding their “nature” is that they still are conditioned beings, even though their condition is now self-made to a considerable extent.


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